domingo, 26 de janeiro de 2014

O Poder do Hábito

Não, não se trata de uma obra sobre a força da Igreja Católica em nossa sociedade. O livro de Charles Duhigg – O Poder do Hábito: por que fazemos o que fazemos na vida e nos negócios – Rio de Janeiro – Ed. Objetiva – 2012 – 407 págs. – fala daquelas pequenas atitudes que tomamos que com o passar do tempo passam a ser tão costumeiras que nem notamos, ou seja, os hábitos de cada um. “Os hábitos, dizem os cientistas, surgem porque o cérebro está o tempo todo procurando maneiras de poupar esforço” (pág. 35).

Como premiado repórter investigativo do New York Times, Charles Duhigg tomou a precaução de checar fontes e conferir informações. Tal fato encontra-se fartamente ilustrado na seção de Notas, ao final do livro, correspondendo a praticamente 25% do trabalho. Ao se ler a obra percebe-se o quão necessário foi este cuidado, uma vez que ele lida com questões delicadas, algumas de foro pessoal, outras que atingem grandes instituições, em ambos os casos, todos zelosos por resguardar sua imagem.

A estrutura do livro está assim dividida:              

Parte Um – Os Hábitos dos Indivíduos;
Parte Dois – Os Hábitos de Organizações Bem-Sucedidas;
Parte Três – Os Hábitos de Sociedades.

Meu interesse maior estava voltado para a Parte Dois, pois entendo ser extremamente útil ter conhecimento de teorias que possam ajudar na gestão de indivíduos, algo que facilita sobremaneira o relacionamento interpessoal no trabalho.

Vamos observar com cuidado a trajetória do autor em cada uma das seções A Parte Um apresenta as bases da teoria que ele defenderá. Seria como na Faculdade de Contabilidade – apresenta-se o que lhe dá suporte logo no primeiro período. O restante do tempo são variações sobre o mesmo tema. Nesse contexto, ele disserta sobre a dinâmica do que ele chama “o loop do hábito”, que se circunscreve no tripé “Deixa / Rotina / Recompensa”. Explicando sumariamente, os hábitos são formados a partir de 3 tempos: o tempo da deixa, ou gatilho que o aciona / a rotina propriamente dita, ou seja, o hábito em ação / e a recompensa que advém do mesmo, aquela cenoura tão ansiada pelo coelho que faz com que o loop se inicie. Ex.: o prazer que um café no meio da tarde lhe proporciona, dando o gás necessário para se seguir adiante.

Além de apresentar as bases da teoria, a Parte Um se presta muito mais para aqueles leitores que buscam tratar de problemas – ou maus hábitos – adquiridos individualmente. Seria algo muito mais chegado para a cultura da chamada “auto-ajuda”. Este aspecto é reforçado por um apêndice do livro – entre as págs. 287 e 298 – no qual o autor dá uma “receita” contendo 4 passos para mudar determinados hábitos. A meu ver, esta seção era desnecessária, enfraquecendo o valor do livro, que até então tinha sua riqueza justamente em ilustrar a teoria com farta produção de casos reais, sem se deixar levar pelo lado estritamente comercial. De toda forma trechos focados em exemplos esportivos – minha praia, digamos assim – fez com que o meu interesse se mantivesse vivo enquanto leitor mesmo nesta seção:

“A maioria dos times de futebol americano não são times de verdade. São só caras que trabalham juntos”, me disse um terceiro jogador daquele período. “Mas nós viramos um time. A sensação era incrível. O treinador era a faísca, mas a coisa ia além dele. Depois que ele voltou, a sensação era de que realmente acreditávamos uns nos outros, como se soubéssemos jogar juntos de um jeito que não sabíamos antes” (pág. 105).

Na Parte Dois, que realmente me interessava, são apresentados casos vinculados à Alcoa – e como a sua cultura de valorização da segurança no trabalho agiu transversalmente levando a empresa a uma grande revolução interna que gerou resultados esplendidos em todos os campos; do Starbucks e sua política de autonomia para seus gestores, a partir da valorização de suas idéias, cultura esta que pode mudar a vida inclusive de um rapaz problemático que não se encontrava em nenhum trabalho (1); a crise no Rhode Island Hospital, a partir do caso de insucesso de uma cirurgia por uma aparente negligência, e como esta se transformou numa oportunidade para uma mudança de hábito; e em como estamos inseridos numa sociedade em que somos monitorados – e por conseqüência nossos hábitos – todo o tempo, gerando valor para empresas que coletam dados e os vendem para outras empresas bem utilizá-los em favor de identificar o cliente na melhor hora de favorecê-lo a uma compra, citando o crescimento da empresa Target.

A riqueza da Parte Dois, além de atingir o que eu imaginava, estava justamente no fato de que o autor, sabiamente, buscou exemplos nos mais diversos cenários, reforçando sua teoria de que o poder do hábito se encontra presente em todos os campos (2). E daí vamos à surpreendente Parte Três, voltada para os hábitos – e sua formação – na sociedade. Confesso que daí não sabia o que esperar.

A Parte Três é dividida em duas seções, uma explicando como se deu a explosão da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos e como uma Igreja Protestante se consolidou perante seus fiéis. Confesso que após a leitura deste trecho não me senti tão convicto sobre a validade da teoria em sua aplicação. Isto se reforçou com a segunda seção, que se debruçou sobre o que ele chamou “A Neurologia do Livre Arbítrio”. Nas notas a inquietude dos cientistas, cautelosos em não afirmar categoricamente que uma determinada atitude foi tomada em função de um hábito consolidado, é tão contundente que tal sentimento de dúvida a mim ficou mais claro. Propalar que um hábito de uma sociedade – o que poderia ser lido como a sua cultura intrínseca – foi formado por uma série de gatilhos que respeitariam o loop do hábito me pareceu forçoso demais. Existem inúmeras variáveis a serem consideradas, típicas da humanidade existente em cada um de nós que somadas, geram um sentimento de grupo. Tanto que o próprio autor colocou que existem outras condições a serem respeitadas:           


 - Um movimento começa devido aos hábitos sociais de amizade e aos laços fortes entre conhecidos próximos.
 - Ele cresce devido aos hábitos de uma comunidade a os laços fracos que unem vizinhanças e clãs.
 - E ele perdura porque os líderes de um movimento dão aos participantes novos hábitos que criam um novo senso de identidade e um sentimento de propriedade. (pág. 231)

Quando um teórico começa a adaptar sua teoria para que esta abranja cada vez mais outros cenários que se apresentam, ele enfraquece seu discurso. Seria como se a teoria, na prática da vida, fosse outra. Dessa forma, posso dizer que minha convicção quanto a utilidade do livro – apoio à gestão de indivíduos num ambiente profissional – se mostrou verdadeira. Mas será que esta minha veia crítica é uma questão de hábito?

(1)     “Para empresas e organizações, essa descoberta tem implicações enormes. O simples ato de dar aos empregados um senso de autonomia – uma sensação de que estão no controle, de que têm autoridade legítima para tomar decisões – pode aumentar radicalmente o grau de energia e foco que eles dedicam ao emprego” (pág. 165).

(2)     “Ou pensemos num jovem executivo aspirante a vice-presidente que, com um telefonema discreto para um cliente importante, poderia frustrar a venda e sabotar o departamento de um colega, tirando-o do páreo para a promoção. O problema da sabotagem é que, mesmo que seja boa para você, ela geralmente é ruim para a empresa. Por isso, na maioria das empresas surge uma regra tácita: você pode ser ambicioso, mas se jogar pesado demais, seus colegas vão se unir contra você. Por outro lado, se você se concentrar em alavancar o próprio departamento, em vez de solapar seu rival, com o tempo você provavelmente receberá atenção” (pág. 176).

3 comentários:

  1. De acordo com os cientistas, citados no texto, o hábito é uma forma de poupar esforços. Não sei não. Acho que pode ser uma espécie de segunda natureza. Ou seja, mais do que uma construção intelectual ou coisa imposta pela cultura ou necessidade. Sim, porque em matéria de hábito, o que tem de maluquice por aí...vou te contar.... Só mesmo um capricho da natureza pode explicar.

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  2. "Muito bom o texto. Estou tentando praticar isso na minha vida, adicionando hábitos bons e eliminando hábitos ruins" - extraído de um encontro casual na rua, pós-missa.

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