Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem
defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as
demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos.
Winston
Churchill (1874-1965) – Primeiro-Ministro Britânico durante a Segunda Guerra
Mundial
Uma
afirmação que vem subjacente ao segundo livro da Trilogia do Século, de Ken
Follett, cujo primeiro volume se chamou “Queda de Gigantes” e se passava durante
a Primeira Guerra Mundial, é a de que o Capitalismo e a Democracia são valores
que andam entrelaçados. Este segundo volume, que se chama “Inverno do Mundo” –
Ed. Arqueiro, 880 págs – São Paulo, 2012 - se passa durante a Segunda Guerra
Mundial, período no qual tal colocação encontrava facilmente eco entre as
grandes massas, uma vez tendo sido derrotado o Nazi-facismo, experiência
política extrema rumo a um governo ditatorial, vivida pela Alemanha durante as
décadas de 30 e 40 do século passado.
Sabemos,
passados mais de 60 anos, que tal assertiva não é necessariamente verdade. Após
a derrocada da União Soviética (URSS), no final dos anos 80, cada vez mais se
percebe que o Capitalismo é um modo de viver que se adapta às circunstâncias,
quaisquer que sejam os Governos e suas respectivas matizes. Desde a China
comunista, incluindo até mesmo à Cuba de Fidel Castro, que incentiva o turismo,
encontram-se maneiras de se fazer o capital girar, fazendo com que a economia
se movimente em torno de um desenvolvimento que se afasta cada vez mais da
chamada utopia socialista.
Porém
esta constatação na obra de Follett é deixada de lado em favor do discurso
simplista de que para se ter Democracia há que se abraçar o Capitalismo –
principalmente na parte final do livro, quando Volodya Pechkov, um dos
principais personagens, agente do Exército Vermelho, tem que ir aos Estados
Unidos (EUA) pela primeira vez para cooptar um cientista alemão para ser espião
da URSS, e fica deslumbrado com o que encontra. Tal assertiva faz parte daquele
universo apontado no final do post
anterior, do chamado Soft Power. São,
por assim dizer, os americanos exportando sua maneira de enxergar o mundo por
intermédio de diversos meios, principalmente de sua influência cultural perante
os demais povos.
O trem atravessou rapidamente quilômetros e mais
quilômetros de ricas terras agrícolas, fábricas imponentes que cuspiam fumaça e
imensas cidades com arranha-céus arrogantes. A União Soviética era maior, mas,
tirando a Ucrânia, praticamente só tinha florestas de pinheiros e estepes
geladas. Volodya nunca imaginara que pudesse existir uma riqueza naquela
escala.
E não era só riqueza. Durante vários dias, alguma
coisa o vinha incomodando, algo estranho em relação à vida nos Estados Unidos.
Finalmente percebeu o que era: ninguém tinha pedido seus documentos (...). Isso
lhe proporcionava uma perigosa euforia de liberdade. Ele podia ir a qualquer
lugar! –
pág. 802
Tirando
esta contextualização um tanto quanto exagerada, a estória das 5 famílias – russa,
norte-americana, inglesa, galesa e alemã - que o autor narra, percorrida
durante o século XX – o terceiro volume está previsto para ser lançado ainda
este ano, narrando a trajetória durante a Guerra Fria – tem todos os
ingredientes que prendem o leitor – drama, paixão, aventura e suspense. Follet é
um mestre do gênero e consegue prender a atenção de quem acompanha suas linhas
do início ao fim.
Muito
do que eu poderia dizer em termos estilísticos já foi comentado por mim no
outro blog de minha autoria – www.leopideas.blogspot.com.br ,
Fevereiro/2012 - quando do lançamento do primeiro volume: “novela mexicana”,
“mais Dallas impossível”, “serve para instigar e introduzir (...) o leitor no
universo de um dos mais importantes períodos da História” – porém, o equilíbrio
de visões tão presente e meritório naquela ocasião claramente pende para um dos
lados neste segundo capítulo. Será que como Fukuyama uma vez pregou, Follett também acredita que a História terminou? (1)
À
parte todo este aspecto político, não fica a dúvida, após se ler as duas
primeiras obras da Trilogia, que o homem em guerra apresenta o seu lado mais
sombrio com todas as forças. Atitudes inimagináveis são adotadas em favor de
uma causa, sem se pesar as conseqüências e possíveis traumas gerados naqueles
que se transformam não em seus beneficiários, mas sim vítimas. Talvez o
principal recado deixado para o leitor é de que devemos fazer de tudo para
evitar que alcancemos um ambiente que propicie que a barbárie entre os homens
prevaleça e que tenhamos que nos matar uns aos outros para alcançar os
objetivos que pretendemos para nossa sociedade. Ou seja, que não existam mais
“invernos” na História da Humanidade, mas sim uma primavera infindável pela
frente, desde que para isso sejamos pessoas de atitude, como os personagens de
Follett, evitando a passividade diante das mazelas que vivemos. Talvez isso soe
ingênuo num mundo ainda cheio de conflitos armados em todos os continentes, mas
se não cultivarmos essa esperança, o que nos restaria? A Democracia, muito mais
que o sistema econômico – até mesmo porque, na minha visão, esta é uma
discussão já ultrapassada – é o que devemos buscar.
(1)
“No
verão de 1989, a revista americana National Interest publicava um ensaio teórico – mais exatamente de
filosofia da História – do intelectual nipo-americano Francis Fukuyama sobre os
sinais – até então simplesmente anunciadores – do fim da Guerra Fria, cujo
título estava destinado a deslanchar um debate ainda hoje controverso: ‘The End
of History?’”- http://mundorama.net/2010/01/21/o-fim-da-historia-de-fukuyama-vinte-anos-depois-o-que-ficou-por-paulo-roberto-de-almeida/
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