quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

INVERNO DO MUNDO

Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos.
Winston Churchill (1874-1965) – Primeiro-Ministro Britânico durante a Segunda Guerra Mundial

Uma afirmação que vem subjacente ao segundo livro da Trilogia do Século, de Ken Follett, cujo primeiro volume se chamou “Queda de Gigantes” e se passava durante a Primeira Guerra Mundial, é a de que o Capitalismo e a Democracia são valores que andam entrelaçados. Este segundo volume, que se chama “Inverno do Mundo” – Ed. Arqueiro, 880 págs – São Paulo, 2012 - se passa durante a Segunda Guerra Mundial, período no qual tal colocação encontrava facilmente eco entre as grandes massas, uma vez tendo sido derrotado o Nazi-facismo, experiência política extrema rumo a um governo ditatorial, vivida pela Alemanha durante as décadas de 30 e 40 do século passado.



Sabemos, passados mais de 60 anos, que tal assertiva não é necessariamente verdade. Após a derrocada da União Soviética (URSS), no final dos anos 80, cada vez mais se percebe que o Capitalismo é um modo de viver que se adapta às circunstâncias, quaisquer que sejam os Governos e suas respectivas matizes. Desde a China comunista, incluindo até mesmo à Cuba de Fidel Castro, que incentiva o turismo, encontram-se maneiras de se fazer o capital girar, fazendo com que a economia se movimente em torno de um desenvolvimento que se afasta cada vez mais da chamada utopia socialista.

Porém esta constatação na obra de Follett é deixada de lado em favor do discurso simplista de que para se ter Democracia há que se abraçar o Capitalismo – principalmente na parte final do livro, quando Volodya Pechkov, um dos principais personagens, agente do Exército Vermelho, tem que ir aos Estados Unidos (EUA) pela primeira vez para cooptar um cientista alemão para ser espião da URSS, e fica deslumbrado com o que encontra. Tal assertiva faz parte daquele universo apontado no final do post anterior, do chamado Soft Power. São, por assim dizer, os americanos exportando sua maneira de enxergar o mundo por intermédio de diversos meios, principalmente de sua influência cultural perante os demais povos.

O trem atravessou rapidamente quilômetros e mais quilômetros de ricas terras agrícolas, fábricas imponentes que cuspiam fumaça e imensas cidades com arranha-céus arrogantes. A União Soviética era maior, mas, tirando a Ucrânia, praticamente só tinha florestas de pinheiros e estepes geladas. Volodya nunca imaginara que pudesse existir uma riqueza naquela escala.
E não era só riqueza. Durante vários dias, alguma coisa o vinha incomodando, algo estranho em relação à vida nos Estados Unidos. Finalmente percebeu o que era: ninguém tinha pedido seus documentos (...). Isso lhe proporcionava uma perigosa euforia de liberdade. Ele podia ir a qualquer lugar! – pág. 802

Tirando esta contextualização um tanto quanto exagerada, a estória das 5 famílias – russa, norte-americana, inglesa, galesa e alemã - que o autor narra, percorrida durante o século XX – o terceiro volume está previsto para ser lançado ainda este ano, narrando a trajetória durante a Guerra Fria – tem todos os ingredientes que prendem o leitor – drama, paixão, aventura e suspense. Follet é um mestre do gênero e consegue prender a atenção de quem acompanha suas linhas do início ao fim.



Muito do que eu poderia dizer em termos estilísticos já foi comentado por mim no outro blog de minha autoria – www.leopideas.blogspot.com.br , Fevereiro/2012 - quando do lançamento do primeiro volume: “novela mexicana”, “mais Dallas impossível”, “serve para instigar e introduzir (...) o leitor no universo de um dos mais importantes períodos da História” – porém, o equilíbrio de visões tão presente e meritório naquela ocasião claramente pende para um dos lados neste segundo capítulo. Será que como Fukuyama uma vez pregou, Follett também acredita que a História terminou? (1)

À parte todo este aspecto político, não fica a dúvida, após se ler as duas primeiras obras da Trilogia, que o homem em guerra apresenta o seu lado mais sombrio com todas as forças. Atitudes inimagináveis são adotadas em favor de uma causa, sem se pesar as conseqüências e possíveis traumas gerados naqueles que se transformam não em seus beneficiários, mas sim vítimas. Talvez o principal recado deixado para o leitor é de que devemos fazer de tudo para evitar que alcancemos um ambiente que propicie que a barbárie entre os homens prevaleça e que tenhamos que nos matar uns aos outros para alcançar os objetivos que pretendemos para nossa sociedade. Ou seja, que não existam mais “invernos” na História da Humanidade, mas sim uma primavera infindável pela frente, desde que para isso sejamos pessoas de atitude, como os personagens de Follett, evitando a passividade diante das mazelas que vivemos. Talvez isso soe ingênuo num mundo ainda cheio de conflitos armados em todos os continentes, mas se não cultivarmos essa esperança, o que nos restaria? A Democracia, muito mais que o sistema econômico – até mesmo porque, na minha visão, esta é uma discussão já ultrapassada – é o que devemos buscar.


(1)   No verão de 1989, a revista americana National Interest publicava um ensaio teórico – mais exatamente de filosofia da História – do intelectual nipo-americano Francis Fukuyama sobre os sinais – até então simplesmente anunciadores – do fim da Guerra Fria, cujo título estava destinado a deslanchar um debate ainda hoje controverso: ‘The End of History?’”- http://mundorama.net/2010/01/21/o-fim-da-historia-de-fukuyama-vinte-anos-depois-o-que-ficou-por-paulo-roberto-de-almeida/

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