terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Dias de Inferno na Síria

Observamos no último mês uma crescente ocupação de espaço na mídia pela epidemia do vírus Zika. Tendo alcançado escala global e estando o Brasil envolto à preparação para a realização dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, a imprensa internacional voltou seus olhos para o país, alardeando o risco que os estrangeiros estariam vivendo.

Em recente debate nas redes sociais coloquei que tal fato – a repercussão negativa – se dá por diferentes motivos que não somente o combate ao vírus em si. Existe um jogo comercial, diplomático e esportivo que vem sendo disputado com antecipação, aproveitando-se do advento e da proliferação da doença via Aedes Aegypit. Existe a não aceitação por determinados países de que seus interesses – no caso, de ser sede dos Jogos Olímpicos, com toda a atração comercial e turística que gera – sejam ameaçados por países em desenvolvimento. No campo esportivo, para que melhor entendam, sugiro a leitura de outro blog - http://sportv.globo.com/site/blogs/especial-blog/blog-do-coach/post/o-terrorismo-olimpico-no-rio-2016.html .

Minha argumentação no debate anterior foi de que enfrentamos todos os anos o combate ao mosquito por conta da Dengue, endêmica em nosso país. Em nenhum momento vimos uma altercação, uma indignação por parte da imprensa mundial em torno de nossa situação. E quer saber? Isso pouco importa. O que devemos fazer é lutar contra as doenças e as condições que as permitem graçar em nosso país por nós mesmos, pela nossa população. Obviamente que os turistas serão beneficiados por tabela, mas não é este o foco principal. O alarmismo de agora vem de outros objetivos ocultos.

E o que esse longo prólogo tem a ver com a análise do livro Dias de Inferno na Síria, do jornalista Klester Cavalcanti? A publicação da editora Benvirá, datada de 2012, com 296 páginas, relata o terror vivido pelo autor ao se ver preso no país árabe que vem sofrendo uma longa guerra civil. Escrito em ritmo de thriller, com grande potencial cinematográfico (1), muito do que está ali descrito é resultado do descaso da comunidade mundial para com um país e uma região que sobrevivem a regimes despóticos. E esses regimes somente se mantém em função de atenderem interesses outros que não os de sua população. De todo modo a história prende o leitor do início ao fim, sem trocadilhos.


Agora, lhes pergunto: entenderam a correlação? Sabemos que vivemos em plena guerra civil velada por aqui. Nos acostumamos a conviver com a cultura da bala perdida. Porém, nosso status quo não afeta em nada a comunidade internacional. Os outros países não estão preocupados com a nossa luta do dia a dia. Esse é um problema nosso. A pergunta que eu faço é: dependemos deles para vencê-la? Ou devemos nós mesmos tomar a dianteira e superar os obstáculos que nos auto-impomos? Nossa luta já gerou alguns sucessos de crítica – Cidade de Deus, Tropa de Elite, etc. Mas somente isso basta para mudar nossa realidade? Não, mas a denúncia é pelo menos um começo.

Na Síria, um país destruído a partir de suas entranhas, Klester pôde identificar e se solidarizar com habitantes que, mesmo tendo suas vidas destroçadas, ainda possuíam coragem e amor no coração para acolher um brasileiro dentre os prisioneiros. Seu livro é dedicado a Ammar Ali, Adnan al-Saad e Walid Ali, sírios que dividiram a cela com ele, além de outros 20 pelo menos, e que tornaram sua breve passagem por lá algo no limite do suportável. É o começo a que ele, como jornalista e autor, se propõe. Sua pequena contribuição para tentar alterar a situação lá existente.

Agora imaginem vocês se conseguirmos erradicar a Zika e no meio desse caminho organizar uma das melhores Olimpíadas de todos os tempos, pelo menos no campo esportivo – como foi a Copa do Mundo de 2014, algo salientado pela imprensa mundial. Já no campo administrativo as denúncias sobre a cúpula do futebol mundial falam por si só – a quem dedicaremos tal glória, fruto do esforço de muitos anônimos? Acho que deveríamos dedicar aos brasileiros, cidadãos que sofrem a partir do momento em que acordam até a hora em que se deitam, após um longo dia de trabalho, driblando trânsito, mosquitos, diarreia, dor de cabeça e febre. E mesmo assim ainda conseguem manter um sorriso no rosto e receber muito bem os estrangeiros. Como Klester foi recebido por seus irmãos de cárcere...


(1)   Algo que de fato ocorrerá, com a direção de Caco Ciocler. Para mais detalhes ver http://www.adorocinema.com/noticias/filmes/noticia-111321/ .

2 comentários:

  1. Excelente a correlação que encontrou entre as agruras enfrentadas pelo Klester com seus companheiros de cela e nós brasileiros. Temos que fazer por nós sim, antes de tudo. Caso busque os posts do Klester no facebook (sou amigo virtual dele, ele é pessoa bem acessível, verá como ele se indigna com a indiferença com que o sofrimento da população civil da Síria é tratada (ou não tratada) na mídia internacional. É assim mesmo: muitas negociações de cúpula, de "alto" nível (as aspas são especialmente propositais) mas os sofrimentos e dramas humanos pouco servem para acalentar corações frios, em meio a tenebrosas negociações. Nós temos que fazer acontecer, por nossas próprias forças. E não depositar esperanças vãs em outros que pouco nos dizem respeito.

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