Observamos
no último mês uma crescente ocupação de espaço na mídia pela epidemia do vírus
Zika. Tendo alcançado escala global e estando o Brasil envolto à preparação para
a realização dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, a imprensa internacional
voltou seus olhos para o país, alardeando o risco que os estrangeiros estariam
vivendo.
Em
recente debate nas redes sociais coloquei que tal fato – a repercussão negativa
– se dá por diferentes motivos que não somente o combate ao vírus em si. Existe
um jogo comercial, diplomático e esportivo que vem sendo disputado com
antecipação, aproveitando-se do advento e da proliferação da doença via Aedes Aegypit. Existe a não aceitação
por determinados países de que seus interesses – no caso, de ser sede dos Jogos
Olímpicos, com toda a atração comercial e turística que gera – sejam ameaçados
por países em desenvolvimento. No campo esportivo, para que melhor entendam,
sugiro a leitura de outro blog - http://sportv.globo.com/site/blogs/especial-blog/blog-do-coach/post/o-terrorismo-olimpico-no-rio-2016.html
.
Minha
argumentação no debate anterior foi de que enfrentamos todos os anos o combate
ao mosquito por conta da Dengue, endêmica em nosso país. Em nenhum momento
vimos uma altercação, uma indignação por parte da imprensa mundial em torno de
nossa situação. E quer saber? Isso pouco importa. O que devemos fazer é lutar
contra as doenças e as condições que as permitem graçar em nosso país por nós
mesmos, pela nossa população. Obviamente que os turistas serão beneficiados por
tabela, mas não é este o foco principal. O alarmismo de agora vem de outros
objetivos ocultos.
E
o que esse longo prólogo tem a ver com a análise do livro Dias de Inferno na Síria, do jornalista Klester Cavalcanti? A
publicação da editora Benvirá, datada de 2012, com 296 páginas, relata o terror
vivido pelo autor ao se ver preso no país árabe que vem sofrendo uma longa
guerra civil. Escrito em ritmo de thriller,
com grande potencial cinematográfico (1), muito do que está ali descrito é
resultado do descaso da comunidade mundial para com um país e uma região que sobrevivem
a regimes despóticos. E esses regimes somente se mantém em função de atenderem
interesses outros que não os de sua população. De todo modo a história prende o
leitor do início ao fim, sem trocadilhos.
Agora,
lhes pergunto: entenderam a correlação? Sabemos que vivemos em plena guerra
civil velada por aqui. Nos acostumamos a conviver com a cultura da bala
perdida. Porém, nosso status quo não
afeta em nada a comunidade internacional. Os outros países não estão
preocupados com a nossa luta do dia a dia. Esse é um problema nosso. A pergunta
que eu faço é: dependemos deles para vencê-la? Ou devemos nós mesmos tomar a
dianteira e superar os obstáculos que nos auto-impomos? Nossa luta já gerou
alguns sucessos de crítica – Cidade de Deus, Tropa de Elite, etc. Mas somente
isso basta para mudar nossa realidade? Não, mas a denúncia é pelo menos um
começo.
Na
Síria, um país destruído a partir de suas entranhas, Klester pôde identificar e
se solidarizar com habitantes que, mesmo tendo suas vidas destroçadas, ainda
possuíam coragem e amor no coração para acolher um brasileiro dentre os
prisioneiros. Seu livro é dedicado a Ammar Ali, Adnan al-Saad e Walid Ali,
sírios que dividiram a cela com ele, além de outros 20 pelo menos, e que
tornaram sua breve passagem por lá algo no limite do suportável. É o começo a
que ele, como jornalista e autor, se propõe. Sua pequena contribuição para
tentar alterar a situação lá existente.
Agora
imaginem vocês se conseguirmos erradicar a Zika e no meio desse caminho organizar
uma das melhores Olimpíadas de todos os tempos, pelo menos no campo esportivo –
como foi a Copa do Mundo de 2014, algo salientado pela imprensa mundial. Já no
campo administrativo as denúncias sobre a cúpula do futebol mundial falam por
si só – a quem dedicaremos tal glória, fruto do esforço de muitos anônimos?
Acho que deveríamos dedicar aos brasileiros, cidadãos que sofrem a partir do
momento em que acordam até a hora em que se deitam, após um longo dia de
trabalho, driblando trânsito, mosquitos, diarreia, dor de cabeça e febre. E
mesmo assim ainda conseguem manter um sorriso no rosto e receber muito bem os
estrangeiros. Como Klester foi recebido por seus irmãos de cárcere...
(1)
Algo
que de fato ocorrerá, com a direção de Caco Ciocler. Para mais detalhes ver http://www.adorocinema.com/noticias/filmes/noticia-111321/
.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirExcelente a correlação que encontrou entre as agruras enfrentadas pelo Klester com seus companheiros de cela e nós brasileiros. Temos que fazer por nós sim, antes de tudo. Caso busque os posts do Klester no facebook (sou amigo virtual dele, ele é pessoa bem acessível, verá como ele se indigna com a indiferença com que o sofrimento da população civil da Síria é tratada (ou não tratada) na mídia internacional. É assim mesmo: muitas negociações de cúpula, de "alto" nível (as aspas são especialmente propositais) mas os sofrimentos e dramas humanos pouco servem para acalentar corações frios, em meio a tenebrosas negociações. Nós temos que fazer acontecer, por nossas próprias forças. E não depositar esperanças vãs em outros que pouco nos dizem respeito.
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