sábado, 3 de novembro de 2018

HOMO DEUS - uma breve história do amanhã


Skynet é o nome tanto da empresa fictícia da série de filmes Exterminador do Futuro que gerou a inteligência artificial (IA) que acaba se rebelando contra os humanos quanto do sistema de geomonitoramento e vigilância contra ações suspeitas de terrorismo também baseada no tratamento de dados via IA – e com resultados polêmicos, como pode ser observado aqui - http://atl.clicrbs.com.br/infosfera/2016/02/18/skynet-a-inteligencia-artificial-do-filme-o-exterminador-do-futuro-existe-e-esta-matando-pessoas-entenda/ e aqui https://hypescience.com/skynet-existe/  .

No livro Homo Deus, de Yuval Noah Harari – Ed. Companhia das Letras – 2016 – 443 páginas – o autor se aprofunda num dos temas que já havia sido tratado como pilar na obra anterior – Sapiens, já tratada aqui neste blog. E este gira em torno justamente para que lado a humanidade avança dado o predomínio do que ele chama Dataísmo – a religião dos dados.

“Uma tecnorreligião mais ousada está buscando cortar definitivamente o cordão umbilical humanista. A religião (...) que não venera nem deuses nem o homem – venera dados. Segundo o dataísmo, o Universo consiste num fluxo de dados e o valor de qualquer fenômeno ou entidade é determinado por sua contribuição ao processamento de dados. (...) Simultaneamente, nas oito décadas desde que Alan Turing formulou a ideia da máquina que leva seu nome, cientistas da computação aprenderam a projetar e fazer funcionar algoritmos eletrônicos cada vez mais sofisticados. (...) O dataísmo (...) faz ruir a barreira entre animais e máquinas com a expectativa de que, eventualmente, os algoritmos eletrônicos decifrem e superem os algoritmos bioquímicos” - (HARARI, 2016 -págs. 369-370) – grifo nosso.

Como neste blog fazemos um juízo de valor da qualidade literária das obras, devemos dizer primeiramente que esta encontra-se um ponto abaixo da anterior. Justamente porque se aproveita desta repetindo uma série de definições que lá já estavam, como para que introduzir com o devido embasamento seu tema central – este acima exposto. Levando-se em conta que o livro tem no total 443 páginas, já contando com índices e bibliografia consultado (algo que consome 42 páginas) temos em torno de, somente, 30 páginas de efetiva novidade (aproximadamente 7% de todo o livro). Ou seja, parece uma perda de tempo - para quem leu o livro anterior! Um leitor desavisado, que iniciasse sua aventura no mundo de Harari por Homo Deus não teria uma perda grave de conhecimento.

Fonte: http://caminhandoporfora.sul21.com.br/2017/09/29/sapiens-e-homo-deus-yuval-noah-harari/

Vamos, agora, ao tema em si. De uma certa maneira as 30 páginas cruciais são aterradoras para quem teme o poder que a IA pode assumir. Tenho amigos que possuem a mesma preocupação – e estão bem acompanhados de Elon Musk e Stephen Hawking (https://olhardigital.com.br/noticia/google-toma-precaucoes-para-que-sua-inteligencia-artificial-nao-vire-a-skynet/59014). Porém, se observarmos nosso entorno, a própria Google é um exemplo de como já estamos inseridos numa caminhada sem volta. Cada vez mais somos surpreendidos com as facilidades que a tecnologia cria para nossas atividades do dia a dia. A todo momento somos bombardeados com informações e ofertas que “incrivelmente” são aderentes aos nossos gostos. Minha esposa sempre pergunta: “Mas como eles sabem que eu preciso disto, agora, nesse momento!?”, com um olhar atônito para o celular.

Tudo isto tem uma explicação bem simples: o poder da computação dos metadados, a partir de algoritmos inteligentes, já está chegando o ponto em que o cineasta James Cameron havia antecipado. “Os dataístas (...) acreditam que os humanos não são mais capazes de lidar com os enormes fluxos de dados, ou seja, não conseguem mais refiná-los para obter informação, muito menos para obter conhecimento ou sabedoria. O trabalho de processamento de dados deveria, portanto, ser confiado a algoritmos eletrônicos, cuja capacidade excede muito a do cérebro humano. Na prática, os dataístas são céticos no que diz respeito ao conhecimento e à sabedoria humanos e preferem depositar sua confiança em megadados e em algoritmos computacionais” (pág. 371).

Uma pequena pincelada das afirmações impactantes:

Ø  Segundo o dataísmo, as experiências humanas não são sagradas, e o Homo Sapiens não é o ápice da criação (...) [383-384];
Ø  Humanos são apenas instrumentos para a criação da internet de todas as coisas que eventualmente poderá se estender para fora do planeta Terra para cobrir a galáxia e até mesmo o Universo (384);
Ø  Esse sistema de processamento de dados cósmico seria como Deus. Estaria em toda parte e controlaria tudo, e os humanos estão destinados a se fundir dentro dele (384);
Ø  Os dataístas explicam aos que ainda cultuam mortais de carne e osso que eles estão excessivamente atrelados a uma tecnologia ultrapassada. O Homo Sapiens é um algoritmo obsoleto (384).

Humanos, tremei, portanto. O autor ainda aponta para alguns mandamentos dessa nova tecnorreligião: (1) Maximizar o fluxo de dados, conectando-se cada vez mais as mídias, produzindo e consumindo mais e mais informação; (2) Conectar tudo ao sistema, inclusive hereges que não querem ser conectados. E “tudo” quer dizer mais que do que humanos. Quer dizer tudo quanto é coisa. Meu corpo, é claro, mas também os carros na rua, as geladeiras na cozinha, as galinhas em suas gaiolas e as árvores na floresta – tudo deveria se conectar à internet de todas as coisas; e (3) não podemos deixar nenhuma parte do Universo desconectada da grande rede da vida. Inversamente, o maior dos pecados é bloquear o fluxo de dados. O que é a morte senão uma situação na qual as informações não fluem? Por isso o dataísmo sustenta que a liberdade de informação é o maior bem de todos (HARARI, 384-385).

É bom que se diga que o autor não faz uma defesa do Dataísmo, mas o apresenta como ele se encontra e como está evoluindo na mente das pessoas, sejam cientistas ou o cidadão comum, este imerso numa avalanche diária sem se dar conta. Harari mesmo coloca que um “exame crítico do dogma dataísta seja não apenas o maior desafio científico do século XXI como também o mais urgente projeto político e econômico” (grifo nosso – pág. 396). Estaríamos assim navegando entre as benesses que o avanço tecnológico nos traz e o risco de sermos minimizados como espécie que decide seu próprio futuro. De repente não posso deixar de me lembrar daquela visão de pessoas reunidas em restaurante, mas dando mais importância em inserir dados sobre o seu cotidiano – comida, onde estou, com quem estou – nos seus celulares do que interagindo com os seus amigos.

OBS.: Outro livro que abordou, porém, ainda no campo ficção, este mesmo tema, é Origem, de Dan Brown, também já resenhado por aqui.

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