sábado, 10 de março de 2018

Tudo Urge no Meu Estar Tranquilo


Sou leitor de prosa. Minha vida praticamente inteira tem sido ler prosa e escrever prosa, além de escrever sobre prosa. Poesia apenas quando criança, ou quando estava tremendamente inspirado pelas emoções. Talvez eu seja analítico, racional demais para ter uma mente profícua em poesia. Porque poesia para mim é isso – palavras impulsionadas por emoções.

Por isso quando ganhei um livro de poesias, com direito a dedicatória do autor, fiquei um pouco surpreso. Mas não sou de fugir de desafios da literatura. Em “Tudo Urge no Meu Estar Tranquilo”, de Luiz Felipe Leprevost – Editora Encrenca – Curitiba – 2017 – 116 páginas – somos inundados por emoções. Isso garante emoções ao leitor? Isso depende da sensibilidade de cada um.

A impressão que eu tenho, como leitor de prosa, é de que os escritores de prosa, diferentemente dos poetas, escrevem em sua maioria para uma terceira pessoa. Já o poeta escreve para si mesmo, mesmo tendo uma inspiração externa. Ele quer externar suas emoções para encantar. E somente encanta quando fica satisfeito consigo mesmo. O olhar é interior, e não exterior. O “meu estar tranquilo” de Leprevost.

A estrutura do livro, para quem está acostumado a ler capítulos, seções, etc, causa estranheza. Os poemas não têm títulos. Não se sabe quando um começa e o outro termina. Se intui por um espaçamento diferenciado ou por uma mudança sutil de tema. No início, para um leitor como eu, isso irrita. Fico procurando uma lógica – mas poesia não é para ter lógica. Talvez seja essa a diferença também entre paixão e o amor maduro. Não quero dizer que o amor maduro tem lógica. Estamos falando de sentimentos, ora bolas. Mas é um “estar tranquilo” entre dois, e não é o “meu estar tranquilo” isolado.

Luiz Felipe Leprevost (Fonte: www.globo.com)
A única divisão a qual Leprevost se permite são duas dedicatórias em meio ao livro (existem também poemas específicos dedicados), o que faz com que a obra aparente ter 3 partes. A primeira – chamemos de introdução ao universo linguístico e performático do autor – que não é dedicada a ninguém (seria a ele mesmo?), inicia-se com uma citação de Gregory Corso, poeta americano – “Tudo é resposta / não preciso saber a resposta”, a qual achei particularmente sintomática como sensação a qual tive durante toda a leitura. Sou um homem de respostas. Mas os poetas nos oferecem não-respostas. A segunda, denominada “Isso sempre me pareceu furioso” (pág. 53), é dedicada à Bruna, com uma citação ao autor Antonio Cisneros, poeta peruano – “É difícil fazer amor mas se aprende”; e a terceira, “Na cidade do século XXI” (pág. 91), dedicada à Guilherme Daldin, comunicador paranaense, com uma citação de William Blake, poeta inglês – “e porque sou feliz e danço e canto / acreditam que não me fizeram / nenhum dano”.

Da qualidade do texto em si, como não sou um expert, não me atreveria a fazer considerações. Posso falar somente do que mais me agradou. E nesse sentido se destacaram para mim os poemas curtos, de no máximo 4 versos, encerrado numa estrofe simples. Seria, talvez, a versão Leprevost para os hai kais japoneses? A impressão que me ficou é que para os poemas mais longos ele se perdia na mensagem que queria (?) passar. Mas os poetas, egoístas como aparentam ser, algumas vezes não se preocupam com a mensagem clara, mas sim em expor o que vem à mente, movidos, mais uma vez, pelos fortes sentimentos que estão lhes tocando.

Outro ponto que notei foi que justamente o autor aproveitava alguns desses pequenos poemas como trechos de seus poemas mais longos. Seria como se ele os tivesse anotado num post it anteriormente, no próprio livro, para depois inseri-los num outro contexto, que ele construiria com mais calma mais à frente.

Não tenho como encerrar esta análise dizendo “recomendo” ou “não recomendo”. Este mundo é tão diverso do qual eu estou acostumado, que seria leviano da minha parte apontar algo nesse sentido. Enfim, a poesia nunca foi para ser entendida, mas sentida. E se este é o parâmetro a que eu deveria me ater, eu diria para vocês que meu sentimento foi de estranhamento. Busquei lógica aonde necessariamente ela não deveria estar. Enfim, abaixo lhes deixo um pequeno exemplo do que encontrarão no livro se se interessarem por esta jornada:

os pés, guerreiros nos nossos corpos
vão pela imposição da gravidade
sustentando o que está em cima
na emergência, na irreflexão dos dias

e voltam da voragem da noite
exauridos de andar sobre narizes brancos
e grudentas poças de cerveja barata

até que finalmente podem descalçar
seus tênis sujos e mudar de posição
deixando que os cacos de vidro que
trouxeram da rua se dissolvam

e só então, como ternuras deitadas
debaixo do cobertor do resguardo
voltam os quatro a se ninar e mimar
agradar, nutrir, acarinhar e afagar
(pág. 62)

3 comentários:

  1. Diálogo no Whatsapp:

    [11/3 08:32] Susana: Postei um comentário enorme no blog, mas ficou encrencado na minha conta Google. Arghhhh

    Parabéns por não ter fugido à empreitada!

    Aliás, alguém me explica o porquê de eu ter aprendido na escola que era poetisa e, de repente, poeta se refere aos dois gêneros...
    [11/3 08:51] Débora Finkielsztejn: Acabei de ler! Me identifico com sua posição quanto a poesia. Com exceção de dois autores consagrados (Pessoa e Drummond), leio quase nada deste estilo. Mas acho que deveria me empenhar mais. Neste sentido, sua resenha reacende esta necessidade.
    [11/3 08:51] Débora Finkielsztejn: Susana, também sempre soube que era poetisa.
    [11/3 10:01] Susana: Agora só se diz poeta.
    [11/3 10:03] Débora Finkielsztejn: Acho poetisa mais charmoso.... mais delicado... mais leve...mais... hummm...poético....🤭

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  2. Mais comentários via Whatsapp:

    [11/3 13:20] Afonso Camargo: Mal comparando - ou melhor , pessimamente comparando - essa história de “poeta e poetisa” me faz lembrar que , no primário, aprendi que o feminino de elefante é aliá.

    Depois me disseram que a mulher do elefante pode tb ser chamada de elefanta .

    Não gostei .

    Vendo aqueles documentários sobre a desconhecida África , eu adorava ver os elefantes no lago , batendo as trombas e o rabinho .
    E me perguntava :
    Será um elefante ou uma aliá ?

    “Aliá é uma palavra esquisita , ‘a primeira vista, mas é bonita , delicada , fofa .
    Bem feminina.

    Já “Elefanta” é que pesada.
    Tosca. Evidente demais como feminino de elefante .
    Tão feia como presidenta, estudanta, etc,

    Enfim , fico com Aliá.

    Poeta ou poetisa ?
    Tanto faz .

    Fico com Aliá.
    [11/3 13:24] Afonso Camargo: Mais comentários inteligentes eu mando até o fim deste domingo.
    Aguardem.
    E bom domingo .
    [11/3 13:31] Susana: E vocês sabiam que o feminino de pardal é pardoca ou pardaloca? Na primeira série primária a mãe de uma colega de sala interpelou a nossa professora reclamando que nem o marido dela, que era “adevogado”, conhecia os femininos. Ficou marcado na minha memória como o mico mais micado que já assisti na vida!
    [11/3 13:36] Débora Finkielsztejn: Para mim Aliá me faz pensar em algo nada a ver. Mas que faz sentido.
    Explico: A palavra "Aliá" em hebraico significa "Subida" e é utilizada quando queremos dizer que alguém emigrou para Israel. Esta "subida", a meu ver, se parece com quando queremos dizer que viajamos para uma cidade nas montanhas (Tipo " Subi para Teresópolis no Carnaval"). Então, se fulano fez Aliá, ele se mudou para Israel "para sempre" . Meio doido.

    Então prefiro a elefanta.
    E a poetisa.

    Frase: A elefanta poetisa fez Aliá.
    🙂
    [11/3 13:36] Débora Finkielsztejn: Não sabia!
    Pardoca é fofo.
    [11/3 13:37] Susana: Pardaloca é over...ahahaha

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  3. Me identifico com a estranheza. Vivemos abarrarrotados de coisas pra resolver, sempre precisando usar a lógica pra superar as pequenas e grandes questões do dia a dia. Nada mais natural que termos mais facilidade, por exemplo, com um suspense em que temos que juntar as peças. Somos tão cobrado a sempre usar da nossa inteligência racional que buscamos fazer isso até onde não precisamos e nem deveríamos, onde só existe um turbilhão de emoções pra se perder nele e relaxar.
    Fico feliz que tenha encarado o desafio fora da sua zona de conforto, do seu estar tranquilo.

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