domingo, 20 de abril de 2014

1565: ENQUANTO O BRASIL NASCIA


Ainda chove em fevereiro e março. Todos os anos.

Uma ode ao Rio de Janeiro. É isto que nos oferece que Pedro Doria em seu “1565 – Enquanto o Brasil Nascia”, Ed. Nova Fronteira – 2012 – 277 págs. Um exemplo disto, mais carioca impossível, é o dito que coloco na abertura desta resenha, exposto na página 137, mesma ponto em que ele indica se localizar o marco de criação da cidade: “Pelos cálculos de João da Costa Ferreira, em seu estudo do início do século XX sobre essa primeira distribuição de terras do Rio de Janeiro, a Casa de Pedra tem endereço. É no Flamengo, esquina das ruas Princesa Januária e Senador Eusébio”.

O Rio nasceu entre o Pão de Açúcar e o morro da Urca, e lá se isolaram os primeiros colonos. “Não há tempo nem oportunidade para recuarmos”, gritou Estácio de Sá aos homens em seu discurso de fundação que um notário registrou, “porque de um lado nos cercam estas penhas, e do outro, as águas do oceano; e pela direita e esquerda os inimigos, só podemos romper o cerco debandando-os.” (pág. 118).

Pedro Doria, jornalista, em seu pósfácio descortina sua inquietude com a ausência de uma obra que apontasse para os primórdios de tão importante localidade, tal sua força enquanto referência do Brasil. Somos, então, a partir de seu trabalho, imersos numa época em que o Rio de Janeiro ainda se formava, não passava de uma vila, e aos poucos, pela força de “portugueses, franceses, índios e negros”, alcança sua singularidade enquanto parâmetro para o desenvolvimento daquele país tão recente em sua história oficial.

O autor, imagens de época, e a capa de sua obra

Para pessoas como eu, que vivem e convivem, caminham entre as ruas do Centro do Rio de Janeiro pelo menos 5 dias por semana, é de um sabor imenso imaginar como se deu sua evolução. “Há um desnível na pista que desce uns palmos numa ladeira ligeira para chegar ao Paço Imperial – onde a Presidente Antônio Carlos muda o nome para Primeiro de Março. Ali, no desnível, o motorista acaba de atravessar o membro desaparecido da cidade. (...) O morro do Castelo ocupou uma área de 184.000 metros quadrados, o equivalente a 18 quarteirões do Rio atual, delimitado em suas partes mais extremas pelas ruas São José, Santa Luzia, México e pelo largo da Misericórdia” (pág. 149). Ficamos a ler as páginas do livro com as cabeças naquele tempo, tentando vislumbrar como seriam ruas e seus passantes, o modo de viver de um povo que tentava se estabelecer em terras hostis. Hostilidade esta natural, para povos indígenas que viviam em guerra pelo seu território, sendo os colonos portugueses e os invasores franceses apenas grupos adicionais neste tabuleiro imenso pela sobrevivência.

Impressionante o retrato que se traça, desmistificando aquela imagem de sobrepujança, pelo menos em seus primeiros 200 anos, da cultura portuguesa. Na verdade existia uma mescla muito grande entre brancos e índios, gerando a mestiçagem necessária para que a coexistência fosse possível. O tupi muitas vezes sendo o idioma corrente, até pela caminhar do desbravamento via bandeiras, adentro do país, ferramenta de contato com outros indígenas.

Somos também levados a compreender como uma família – os Sá, de Estácio, Mém, Salvador (pai e filho) e Martim – predominaram na política do Rio de Janeiro, até que a corte portuguesa percebesse que era chegado o momento de uma virada. Eles, porém, não deixaram de ser a amálgama que uniu gerações e gerações de lutadores e índios, esta última pelo respeito alcançado na luta ombro a ombro contra franceses e holandeses pela proteção da Guanabara.

Eu, niteroiense como sou, ainda vislumbro como um personagem ora coadjuvante, ora de peso, Araribóia, indígena que recebeu as terras de São Lourenço – futura Niterói – como pagamento pelo apoio prestado nas lutas acima citadas. Elas são, portanto, enquadradas no sentido de que este personagem, tão identificado com este lado da baía, tendo sido na verdade mais um daqueles que lutou pela prevalência do comando local e português no Rio de Janeiro. Até mesmo por isso está a olhar para a cidade maravilhosa.

Araí-boia quer dizer cobra da tempestade, nome de uma serpente aquática verde-escura. Era o nome de um índio temiminó que a história lembraria por Arariboia. (...) Porque era fidelíssimo aos portugueses, também excepcional guerreiro – e porque conhecia muito bem o lugar -, Mem de Sá aconselhou Estácio a não partir para a guerra sem ter Arariboia ao seu lado. Quando deixaram a Guanabara, naquele 2 de abril em 1563, Arariboia seguiu para São Vicente, onde foi batizado Martim Afonso. (...) A expulsão dos tamoios teria para Arariboia um gosto muito particular: era o seu retorno, a vitória após a derrota – sempre os conflitos entre franceses e portugueses encontrando paralelos entre as cizânias tupis. Afinal, assim como a maioria dos tamoios era tupinambá, os temiminós eram aliados dos tupiniquins. (págs. 112-113).

Este é o tipo de ensino de História que não vemos nos colégios. Nestes, nossas crianças têm apenas uma pequena semente do que poderão vir a explorar no futuro se tiverem curiosidade – lacuna esta suprida a contento por esta obra que ora avalio e avalizo. São dados aos nossos filhos pequenos nacos de uma vivência muito mais rica, com tramas políticas e de brutalidade, algumas até engraçadas pela ingenuidade e pela inexperiência de muitos que aqui aportaram como encarregados desta terra, jovens recém-saídos da adolescência que de repente se viam à frente de homens para lutar por um Brasil que ainda não tinha sua noção de país, mas que já demonstrava o quão guerreiro – e hospitaleiro - seu povo iria se tornar. Leitura a qual recomendo.

OBS.: De tão gosto me peguei pela prosa de Pedro Doria que mal posso esperar por ler seu próximo livro, “1789”.


Imagens extraídas de http://botequimcultural.com.br/1565-enquanto-o-brasil-nascia/

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