Ainda chove em fevereiro e março. Todos os anos.
Uma
ode ao Rio de Janeiro. É isto que nos oferece que Pedro Doria em seu “1565 –
Enquanto o Brasil Nascia”, Ed. Nova Fronteira – 2012 – 277 págs. Um exemplo
disto, mais carioca impossível, é o dito que coloco na abertura desta resenha,
exposto na página 137, mesma ponto em que ele indica se localizar o marco de
criação da cidade: “Pelos cálculos de João da Costa Ferreira, em seu estudo do
início do século XX sobre essa primeira distribuição de terras do Rio de
Janeiro, a Casa de Pedra tem endereço. É no Flamengo, esquina das ruas Princesa
Januária e Senador Eusébio”.
O Rio nasceu
entre o Pão de Açúcar e o morro da Urca, e lá se isolaram os primeiros colonos.
“Não há tempo nem oportunidade para recuarmos”, gritou Estácio de Sá aos homens
em seu discurso de fundação que um notário registrou, “porque de um lado nos
cercam estas penhas, e do outro, as águas do oceano; e pela direita e esquerda
os inimigos, só podemos romper o cerco debandando-os.” (pág. 118).
Pedro
Doria, jornalista, em seu pósfácio descortina sua inquietude com a ausência de
uma obra que apontasse para os primórdios de tão importante localidade, tal sua
força enquanto referência do Brasil. Somos, então, a partir de seu trabalho,
imersos numa época em que o Rio de Janeiro ainda se formava, não passava de uma
vila, e aos poucos, pela força de “portugueses, franceses, índios e negros”,
alcança sua singularidade enquanto parâmetro para o desenvolvimento daquele
país tão recente em sua história oficial.
O autor, imagens de época, e a capa de sua obra
Para
pessoas como eu, que vivem e convivem, caminham entre as ruas do Centro do Rio
de Janeiro pelo menos 5 dias por semana, é de um sabor imenso imaginar como se
deu sua evolução. “Há um desnível na pista que desce uns palmos numa ladeira
ligeira para chegar ao Paço Imperial – onde a Presidente Antônio Carlos muda o
nome para Primeiro de Março. Ali, no desnível, o motorista acaba de atravessar
o membro desaparecido da cidade. (...) O morro do Castelo ocupou uma área de
184.000 metros quadrados, o equivalente a 18 quarteirões do Rio atual,
delimitado em suas partes mais extremas pelas ruas São José, Santa Luzia,
México e pelo largo da Misericórdia” (pág. 149). Ficamos a ler as páginas do
livro com as cabeças naquele tempo, tentando vislumbrar como seriam ruas e seus
passantes, o modo de viver de um povo que tentava se estabelecer em terras
hostis. Hostilidade esta natural, para povos indígenas que viviam em guerra
pelo seu território, sendo os colonos portugueses e os invasores franceses
apenas grupos adicionais neste tabuleiro imenso pela sobrevivência.
Impressionante
o retrato que se traça, desmistificando aquela imagem de sobrepujança, pelo
menos em seus primeiros 200 anos, da cultura portuguesa. Na verdade existia uma
mescla muito grande entre brancos e índios, gerando a mestiçagem necessária
para que a coexistência fosse possível. O tupi muitas vezes sendo o idioma
corrente, até pela caminhar do desbravamento via bandeiras, adentro do país,
ferramenta de contato com outros indígenas.
Somos
também levados a compreender como uma família – os Sá, de Estácio, Mém,
Salvador (pai e filho) e Martim – predominaram na política do Rio de Janeiro,
até que a corte portuguesa percebesse que era chegado o momento de uma virada.
Eles, porém, não deixaram de ser a amálgama que uniu gerações e gerações de
lutadores e índios, esta última pelo respeito alcançado na luta ombro a ombro
contra franceses e holandeses pela proteção da Guanabara.
Eu,
niteroiense como sou, ainda vislumbro como um personagem ora coadjuvante, ora
de peso, Araribóia, indígena que recebeu as terras de São Lourenço – futura Niterói
– como pagamento pelo apoio prestado nas lutas acima citadas. Elas são,
portanto, enquadradas no sentido de que este personagem, tão identificado com
este lado da baía, tendo sido na verdade mais um daqueles que lutou pela
prevalência do comando local e português no Rio de Janeiro. Até mesmo por isso
está a olhar para a cidade maravilhosa.
Araí-boia quer
dizer cobra da tempestade, nome de uma serpente aquática verde-escura. Era o
nome de um índio temiminó que a história lembraria por Arariboia. (...) Porque
era fidelíssimo aos portugueses, também excepcional guerreiro – e porque
conhecia muito bem o lugar -, Mem de Sá aconselhou Estácio a não partir para a
guerra sem ter Arariboia ao seu lado. Quando deixaram a Guanabara, naquele 2 de
abril em 1563, Arariboia seguiu para São Vicente, onde foi batizado Martim
Afonso. (...) A expulsão dos tamoios teria para Arariboia um gosto muito particular:
era o seu retorno, a vitória após a derrota – sempre os conflitos entre
franceses e portugueses encontrando paralelos entre as cizânias tupis. Afinal,
assim como a maioria dos tamoios era tupinambá, os temiminós eram aliados dos
tupiniquins. (págs. 112-113).
Este
é o tipo de ensino de História que não vemos nos colégios. Nestes, nossas
crianças têm apenas uma pequena semente do que poderão vir a explorar no futuro
se tiverem curiosidade – lacuna esta suprida a contento por esta obra que ora avalio
e avalizo. São dados aos nossos filhos pequenos nacos de uma vivência muito
mais rica, com tramas políticas e de brutalidade, algumas até engraçadas pela
ingenuidade e pela inexperiência de muitos que aqui aportaram como encarregados
desta terra, jovens recém-saídos da adolescência que de repente se viam à frente
de homens para lutar por um Brasil que ainda não tinha sua noção de país, mas
que já demonstrava o quão guerreiro – e hospitaleiro - seu povo iria se tornar.
Leitura a qual recomendo.
OBS.:
De tão gosto me peguei pela prosa de Pedro Doria que mal posso esperar por ler
seu próximo livro, “1789”.
Imagens
extraídas de http://botequimcultural.com.br/1565-enquanto-o-brasil-nascia/
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