(...) se você
consegue escrever porque sente alegria, vai escrever para sempre.
(pág. 212)
Escrever é mágico,
é a água da vida, como qualquer outra arte criativa. A água é de graça. Então
beba. Beba até ficar saciado.
(pág. 229)
Ao
me deparar na livraria com a obra “Sobre a Escrita – A arte em memórias”, do
escritor norte-americano Stephen King – mais conhecido pelas suas obras
ficcionais vinculadas ao terror, sci-fi, fantasia e que tais – fiquei curioso
sobre qual seria a trama. Misto de autobiografia e manual de redação, “Sobre a
Escrita” apresenta ao leitor King por King no que mais lhe interessa – a arte
de escrever.
O autor, num momento de descontração
O
livro foi publicado originalmente no ano de 2000. O exemplar o qual tive acesso
é uma reedição de 2015, da Editora Objetiva, com 255 páginas, com a devida
atualização ao final de uma lista de livros que ele teria lido entre 2000 e
2010. Ele está dividido, grosso modo, em 3 partes – a descrição da vida
pregressa de King até se consolidar como escritor, apresentando desse modo as
influências recebidas durante esta trajetória; o guia para o futuro escritor,
exposto em dois capítulos denominados “Caixa de Ferramentas” e “Sobre a
Escrita”; e um post-scriptum, no qual
ele narra sua luta por renascer como escritor, “amaciado” pelo atropelamento
sofrido e a experiência de quase-morte.
Meu
interesse direto estava, então, pautado por duas razões: adoro o escritor
Stephen King. E tenho pretensões literárias. Por que não associar os dois
desejos numa única obra, colhendo as orientações daquele que considero um dos
seres humanos que mais sabe contar uma boa estória, daquela que nos prende até
a última página? De quebra, ainda saciaria minha curiosidade sobre a vida do
mesmo.
Para
o meu gosto como leitor, as partes autobiográficas foram um deleite. Expondo,
com seu bom humor característico, acontecimentos, fatos, características e
influências, somos brindados com uma leitura leve, que nos faz enaltecer ainda
mais o gosto pelo escritor – “(...) todas as orações simples de Hemingway
funcionaram bem para ele, não é? Mesmo quando estava bêbado como um gambá, o
homem era um gênio” (pág. 108). Seria algo como, ao saber a sua vivência
enquanto pessoa, valorizarmos ainda mais o que ele alcançou como mestre das
letras – inclusive ele foi professor de redação um determinado período da vida.
No
que diz respeito ao que parece ter sido o fator motivador principal do próprio
King para escrever a obra – passar adiante o que ele entende como sendo a
metodologia correta para se contar uma boa estória – posso falar, sem medo de
incorrer em erro, ter sido um dos livros que mais me impactaram na vida. Não
tendo feito um curso de redação, “Sobre a Escrita” preencheu tranquilamente
esta lacuna em minha vida. A quantidade e qualidade de informações que foram
repassadas não somente sobre como passar as ideias para o papel – o modus operandi em si do escritor como
criador de uma estória, mas também como lidar com todo o entorno do escritor –
local de trabalho, a importância da revisão, escrever como vocação, a trajetória
pela publicação, etc – é tão rico que é difícil não ter os olhos abertos para
cada passo a ser trilhado.
Talvez
a única dificuldade, mas que não impacta sobremaneira ao objeto do livro, seja
que sua experiência está atrelada à língua inglesa – e aos autores nativos da
mesma. Assim os exemplos e a abordagem utilizados são voltados para aqueles que
militam na cultura anglo-saxônica. Porém, sua abordagem pretende-se ser ampla,
genérica o suficiente para atender os anseios dos pseudo-escritores oriundos de
quaisquer idiomas. O que interessa é a metodologia, mais do que regras
gramaticais, que “(...) se você não sabe, é tarde demais” (pág. 107). Para
aqueles que não leram alguns dos livros do próprio King existem ainda alguns
ligeiros spoilers, mas nada que
impedirá o acesso a elas no futuro. Enfim, a impressão é que tive uma aula
grátis de alto nível. Agora só resta por as mãos à obra.
As
Regras do Rei
Da escrita
-
Evite a voz passiva e os advérbios;
O sujeito tímido escreve “a reunião
será realizada às sete horas” porque, de alguma forma, a frase diz a ele
“escreva dessa maneira e todos vão acreditar que você realmente sabe”. Livre-se desse pensamento traidor. Não seja
um trouxa! Aprume-se, erga o queixo e assuma o controle da tal reunião! Escreva
“a reunião será às sete”. É isso, meu Deus do céu! Você está se sentindo
melhor, não está? (pág. 109).
Com os advérbios, o escritor nos diz
que tem medo de não se expressar com clareza, de não conseguir passar a
mensagem (págs. 110-111).
-
Escreva sobre o que você sabe;
Acho que você deve começar
interpretando “escreva sobre o que você sabe” da maneira mais abrangente e
inclusiva possível. Se você é encanador, você conhece encanamentos, mas isso
está muito longe de ser toda a dimensão de seu conhecimento; o coração também
sabe coisas, bem como a imaginação. Graças a Deus. Se não fosse pelo coração e
pela imaginação, o mundo da ficção seria terra de ninguém. Talvez nem
existisse, na verdade. (...) Muito errado, eu acho, seria dar as costas para o
que você conhece e gosta (ou ama, como eu amava as velhas histórias de horror
em preto e branco da EC) (pág. 137).
-
Descrição;
A descrição é o que transforma o
leitor em um participante sensorial da história. A boa descrição é uma
habilidade que se aprende, uma das principais razões pelas quais você não
consegue ser bem-sucedido a não ser que leia e escreva muito. (....) Você só
vai aprender fazendo. A descrição começa com a visualização do que você quer
que o leitor experimente. E termina com a tradução do que você vê em sua cabeça
para as palavras no papel. Está longe de ser fácil (págs. 149-150).
-
Narração;
Como em todos os outros aspectos da
arte narrativa, você vai melhorar com a prática, mas ela nunca vai levar à
perfeição. (...) Pratique a arte, sem se esquecer de que seu trabalho é dizer o
que vê, e depois seguir em frente com sua história (pág. 155).
-
A construção de personagens;
O trabalho se resume a duas coisas:
prestar atenção ao comportamento das pessoas reais à sua volta e dizer a
verdade sobre o que vê. (...) Personagens fictícios são copiados diretamente da
vida? Óbvio que não, pelo menos não em todos os detalhes (...). Para mim, o que
acontece aos personagens enquanto a história se desenrola depende apenas do que
vou descobrindo sobre eles no caminho – em outras palavras, como eles crescem.
(...) eu já não acredito tanto no chamado estudo de personagem; acho que, no
fim, é sempre a história que comanda (págs. 162-163).
-
História x Tema;
(...) começar com as questões e
preocupações temáticas é receita certa para má ficção. A boa ficção sempre
começa com a história e progride até chegar ao tema, ela quase nunca começa com
o tema e progride até chegar à história. As únicas exceções que consigo pensar
para esta regra são alegorias como A revolução dos bichos, de George Orwell (e
suspeito que a ideia de história do livro possa ter vindo antes; se algum dia
encontrar Orwell no outro mundo, pretendo perguntar a ele) (pág. 178).
-
A relativa importância da pesquisa;
Você pode adorar o que aprendeu
sobre bactérias comedoras de carne, o sistema de esgotos de Nova York ou o
potencial de QI de filhotes de Collie, mas seus leitores com certeza estarão
mais interessados nos personagens e na história. (...) Quando você se afasta da
regra “escreva sobre o que você sabe”, a pesquisa se torna inevitável, e pode
contribuir muito para a história. Só não deixe que o rabo acabe abanando o
cachorro; lembre-se, você está escrevendo um romance, não um artigo acadêmico¹.
A história sempre vem em primeiro lugar (págs. 194, 196-197).
Estes
acima são pequenos exemplos, pérolas do que King espalha através das páginas de
seu livro. O objetivo da ficção [é] fazer o leitor se sentir à vontade e,
depois, contar uma história... Fazer com que ele esqueça, sempre que possível,
que está lendo uma história. Escrever é seduzir. Falar bem é parte da sedução.
Se não fosse, por que tantos casais começariam a noite jantando e terminariam
na cama? (pág. 118).
Em
outros trechos – págs. 126 e 128 principalmente – ele alerta com ênfase na
importância de se ler muito para se poder escrever bem e em quantidade. Na
verdade, uma fórmula velha conhecida de quem se dedica à literatura, já que é
evidente o ganho cultural e de vocabulário propiciado pela leitura constante.
Mais
adiante ele ainda aponta para pequenos segredos do sucesso. Um programa de
leitura e escrita de 04 a 06 horas por dia, todos os dias (pág. 130); a teoria da porta fechada – o espaço
[para a escrita] pode ser humilde e só precisa realmente de uma coisa: uma
porta que você possa fechar. A porta fechada é a maneira de dizer ao mundo e a você
mesmo que o assunto é sério. Você assumiu o compromisso de escrever! (pág.
135); e o fato de se manter em saúde e ter um bom casamento (pág. 134). Claro
que no quesito casamento o que importa mesmo é estar em paz consigo mesmo, na
opção de relacionamento que vier a escolher. No caso dele – dado até mesmo o
histórico com drogas e o relativo afastamento aos demais membros da família (um
irmão e a mãe) – um casamento estável foi fundamental para que pudesse seguir
adiante. Ele ressalta ainda que caso o escritor esteja ansioso por publicar, ao
invés de perder tempo buscando uma editora poderá iniciar financiando sua
própria publicação.
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Tabitha e Stephen King |
Por
último, gostaria de ressaltar que para mim um dos trechos mais relevantes do
livro ocorrem entre as páginas 179 e 193. Lá ele retrata toda a importância do
processo de revisão da primeira versão, desde o olhar do próprio escritor,
passando pela eleição do Leitor Ideal – aquele para o qual você escreve e fica
à espera do feedback; no caso de King,
a sua esposa, Tabitha King, também escritora; chegando ainda a um grupo seleto
de leitores qualificados – editor, amigos, etc, mas não mais que 5 ou 6
pessoas. Seria seu público-teste. Ele inclusive indica uma fórmula mágica – dada
a sua preocupação em reduzir o texto, King aponta que o ideal é 2ª versão = 1ª
versão – 10% (pág. 190). Óbvio que isto passa por uma revisão qualitativa.
Existem coisas às quais não se pode abrir mão. Mas também existem outras que se
encaixam na arte do desapego. Longas histórias de vida são mais bem-recebidas em
um balcão de bar, e só quando falta uma hora ou menos para fechar, e só quando
você está pagando (pág. 193). Boa sorte! Boa leitura, e porque não dizer, boa
escrita!
OBS.:
existe um pequeno detalhe que me incomodou: a edição brasileira coloca tanto a
versão em Inglês quanto em Português, entre as páginas 231 e 248, da revisão de
um trecho da obra que depois viria a ser conhecida como “1408”, inclusive
gerando mais uma dentre as tantas adaptações cinematográficas para os produtos
de King, em 2007, com John Cusack no papel central, tendo como coadjuvante
Samuel Lee Jackson. Acho que poderia se ater à versão em Português – a não ser
que você seja um fã alucinado que tenha prazer em ler o original para depois
ler também a tradução!
(1)
No
que diz respeito à importância da pesquisa tenho a impressão que J.J. Benítez e
a série Cavalo de Troia – ótima, por sinal -
não seguem o preceito pregado por King.
Meu irmão, já tinha gostado da dica que você tinha me dado no churrasco. Agora, com este roteiro realmente estou interessado em ler. Já baixei e encontra-se no meu Kindle!
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