Se usava as suas emoções para alguma coisa, era
sempre em fazer o que precisava ser feito. Eu tinha que aprender essa lição
enquanto ela ainda estava ali para me ensinar. Pág. 172,
SCHWALBE, 2013
Um
dos grandes dilemas da minha vida é lidar com o fim da própria. Por vezes fico
observando as pessoas andando na rua e penso como cada uma delas lida com a
finitude de nossa existência. Ou como, simplesmente, não lidam. Vivem suas
vidas sem pensar no amanhã, aproveitando cada momento.
O
mais cruel dessa análise é que, ao mesmo tempo em que observamos a passagem dos
dias, semanas, meses e anos, expostos na nossa face e na dos entes queridos,
temos que ter noção de que tudo pode acabar num átimo de segundo, que não
dominamos os nossos “prazos de validade”. E que o ideal seria, então, darmos
valor para as coisas boas da vida, agradecendo a cada instante e às pessoas
queridas que nós tenhamos a nossa volta todas as experiências (e “a experiência”)
que elas usufruíram para conosco.
A lista de nossos colegas falecidos no verso do
programa fica cada vez mais comprida; as beldades da classe viraram bruxas
gordas ou ossudas; tanto os astros do esporte quanto os não atletas deslocam-se
com a ajuda de marca-passos e joelhos de plástico, aposentados e ocupando
espaço numa idade em que a maioria de nossos pais estavam atenciosamente
mortos. [...] Mas não nos vemos desse jeito, capengas e velhos. Vemos crianças
do jardim de infância – os mesmos rostos sadios e redondos, as mesmas orelhas
em concha e olhos de cílios compridos. Ouvimos os gritinhos alegres durante o
recreio da escola primária, [...]. Trecho de As Lágrimas do Meu Pai: e
Outros Contos – John Updike, citado entre as págs. 257-258, SCHWALBE, 2013.
Mas
o que ocorre quando, num determinado contexto, nós somos brindados com a
possibilidade de “saber” que algo vai terminar? Ou que alguém do qual nós
gostamos muito – amamos – irá se despedir de nós para sempre? Toda uma série de
parâmetros sobre como enfrentar a vida são colocados de cabeça para baixo.
Passamos então a buscar algo que nos coloque de volta nos trilhos, que nos reverta
para o eixo sobre o qual pautávamos nossa vida, para dessa forma saber
enfrentar bem esse período, essa passagem, que nos dê mesmo algumas “dicas” de
como superar essa luta e olhar para frente.
É
sobre isso que trata a obra “O Clube do Livro do Fim da Vida”, de Will Schwalbe
– Ed. Objetiva, 292 págs. – 2013. É um livro biográfico. Não, não é
auto-biográfico, pois trata de como Schwalbe enfrentou a notícia de que sua mãe
estava com câncer e que talvez tivesse poucos meses de vida. Mas não somente
sob a ótica dele, como também sob a ótica dela, interpretada pelo autor. O
livro não é focado nele, mas sim nela, e nos livros que ambos partilharam neste
período, e como ambos – ela e os livros – trouxeram um norte para a vida dele.
Enquanto estava escrevendo este livro, me deparei
com meu exemplar de O
Preço do Sal (1). E achei um pedaço um
pedaço de papel com uma carta que mamãe escrevera: “Todos nós devemos a todo
mundo por tudo que acontece em nossas vidas. Mas não é como ter uma dívida para
com uma única pessoa – de fato devemos a todo mundo por tudo. Nossa vida inteira
pode mudar num instante – portanto, cada pessoa que impede que isso aconteça,
por menor que seja o papel que ela exerce, também é responsável por tudo.
Somente por dar amizade e amor, você já impede que as pessoas à sua volta
desistam – e cada expressão de amizade ou amor talvez seja aquela que faz toda
a diferença”. Pág. 187.
Todos
vocês sabem que sou um apaixonado pelos livros – senão nem mesmo um blog como
este existiria. A importância deles na minha vida é enorme, são marcos de
etapas vividas. Cada um deles em minha estante conta um pedaço da minha
história, além das próprias estórias inseridas neles mesmos. Sentimentos que
foram gerados, lições aprendidas, conceitos entendidos, crescimento pessoal
enfim.
Mas,
no meu caso, ainda é uma experiência individual, particular – e eu mesmo,
provavelmente, prefiro que seja assim. No caso de Schwalbe, ao contrário, foi
algo que ele desfrutou com sua mãe, no formato “clube do livro”. Este trata-se,
normalmente, de um grupo de pessoas que se compromete a ler uma determinada
obra num prazo específico, para debaterem sobre a mesma numa data a ser
estipulada.
Esta
obrigação talvez seja o que me afasta de uma dinâmica como esta. O livro para
mim é um momento de relaxamento, de introspecção para comigo mesmo. Algo que me
ajuda a compreender o que está ocorrendo ao meu redor, porém com um olhar
externo que se mistura com as minhas próprias percepções e preconceitos,
algumas vezes até mudando a minha visão das coisas.
Mamãe me ensinou a não desviar os olhos do pior, mas
sim acreditar que todos podemos fazer melhor. Jamais vacilou em sua convicção
de que os livros são a ferramenta mais poderosa do arsenal humano, de que ler
todo tipo de livros, qualquer que seja o formato escolhido [...], é o maior
entretenimento de todos, e também é como você participa da conversa humana. Ela
me ensinou que você pode fazer uma diferença no mundo, e que os livros
realmente importam: é com eles que sabemos o que precisamos fazer na vida, e
como dizemos isso aos outros. Ela também me mostrou, [...], que os livros podem
ser o modo como nos aproximamos uns dos outros, e continuamos próximos [...]. Pág. 283.
Porém,
para Schwalbe foi fundamental este diálogo. Através dele pode compreender a
criatura maravilhosa que tinha ao lado em torno dos seus mínimos aspectos.
Soube, inclusive, identificar os limites, a fronteira que não poderia ser
ultrapassada em torno das suas reminiscências, respeitando a individualidade da
sua mãe. Ela, uma guerreira em favor da educação e que já havia prestado tantos
serviços voluntários mundo afora, de repente, sem perceber, era objeto de um
voluntariado prazeroso, a partir do próprio filho.
Percebi que, durante o tempo restante que tinha com
minha mãe, precisava me concentrar mais – tomar cuidado de não interromper
nossas conversas com outras conversas. [...] Mas a vida moderna em si é uma
máquina de interrupção: telefonemas, e-mails, SMS, notícias, televisão e nossas
próprias mentes inquietas. O maior presente que você pode dar a alguém é sua
atenção indivisa [...]. Pág. 170.
Ora,
este é um livro que vocês sabem o final desde que começam lê-lo, assim como a
sua “personagem” principal o sabia – ela tinha por hábito ler os finais antes
de começar o livro. Mas este final foi apenas o começo do entendimento de
Schwalbe – um ex-editor de livros a se dedicar a um site sobre culinária – sobre
como determinadas obras podem mudar vidas. A obra maior que ele leu foi a vida
da sua mãe. E a leu tão bem que soube descrevê-la com destreza, deixando um
legado para que outras pessoas também pudessem aprender com ela, desde as
grandes lições expostas acima, até as mais triviais, que nos moldam como seres
humanos:
Muitas vezes penso nas coisas que mamãe me ensinou. Arrume a cama toda manhã – não importa se você tem vontade ou não, faça isso e pronto. Escreva mensagens de agradecimento imediatamente. Desfaça a mala, mesmo se só vai passar uma noite no lugar. Se você não está dez minutos adiantado, então está atrasado. Seja alegre e escute as pessoas, mesmo que não esteja com vontade. Diga a seu cônjuge (filhos, netos, pais) que você o ama todos os dias. Use forro protetor dentro das gavetas. Mantenha uma coleção de presentes à mão, [...] para sempre ter algo para dar às pessoas. Comemore ocasiões. Seja bondoso. Pág. 282
OBS.:
Coincidentemente, logo após ter ganho este livro pude ler uma análise sobre o
mesmo e o seu impacto na coluna de Barbara Soalheiro, na Revista Vida Simples,
da Editora Abril – edição de Novembro – “A Melhor Ideia do Mundo é Simples” –
Pág. 63. Barbara teve a oportunidade de assistir uma palestra do autor, Will
Schwalbe, e dela retirou alguns ensinamentos, dos quais ressalto dois: “(1)
venha o que vier, uma coisa não deve mudar: ler é como nós instalamos novos
softwares nessa máquina chamada de cérebro. ‘Se você não tem tempo de ler,
acorde uma hora mais cedo’. [...] (3) Conversas sobre um livro são sempre as
mais interessantes que se pode ter com alguém; elas são capazes de te aproximar
do outro de um jeito profundo, estreitando a comunicação e diminuindo o vão que
sempre existe entre nossos modos de ver o mundo. ‘Ler é o oposto de morrer’,
finalizou ele”.
(1) O
Preço do Sal (The Price of Salt) – Patricia Highsmith.
Léo, lindo post, lindo de verdade!
ResponderExcluirTentamos, aquelas amigas de colégio, fazer um clube do livro nos moldes que você citou. Não deu certo porque não encontrávamos um título de agradava a todas ou nem todas liam no tempo estipulado. Não ultrapassou a primeira reunião.
Adoro discutir os livros lidos, o Bragatto, também. Então, a gente discute os livros mesmo que o outro não tenha lido. Ele praticamente conta o livro inteiro, mas mesmo assim é interessante.
Ótima resenha.
ResponderExcluirPretendo ler o livro. Acho que foi na Revista Bons Fluidos que este livro foi mencionado também.
ResponderExcluirEste livro é o tipo de livro que todos mereciam ler.... maravilhoso... Parabéns pela resenha....
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