sábado, 14 de dezembro de 2013

O Clube do Livro do Fim da Vida

Se usava as suas emoções para alguma coisa, era sempre em fazer o que precisava ser feito. Eu tinha que aprender essa lição enquanto ela ainda estava ali para me ensinar. Pág. 172, SCHWALBE, 2013

Um dos grandes dilemas da minha vida é lidar com o fim da própria. Por vezes fico observando as pessoas andando na rua e penso como cada uma delas lida com a finitude de nossa existência. Ou como, simplesmente, não lidam. Vivem suas vidas sem pensar no amanhã, aproveitando cada momento.

O mais cruel dessa análise é que, ao mesmo tempo em que observamos a passagem dos dias, semanas, meses e anos, expostos na nossa face e na dos entes queridos, temos que ter noção de que tudo pode acabar num átimo de segundo, que não dominamos os nossos “prazos de validade”. E que o ideal seria, então, darmos valor para as coisas boas da vida, agradecendo a cada instante e às pessoas queridas que nós tenhamos a nossa volta todas as experiências (e “a experiência”) que elas usufruíram para conosco.

A lista de nossos colegas falecidos no verso do programa fica cada vez mais comprida; as beldades da classe viraram bruxas gordas ou ossudas; tanto os astros do esporte quanto os não atletas deslocam-se com a ajuda de marca-passos e joelhos de plástico, aposentados e ocupando espaço numa idade em que a maioria de nossos pais estavam atenciosamente mortos. [...] Mas não nos vemos desse jeito, capengas e velhos. Vemos crianças do jardim de infância – os mesmos rostos sadios e redondos, as mesmas orelhas em concha e olhos de cílios compridos. Ouvimos os gritinhos alegres durante o recreio da escola primária, [...]. Trecho de As Lágrimas do Meu Pai: e Outros Contos – John Updike, citado entre as págs. 257-258, SCHWALBE, 2013.

Mas o que ocorre quando, num determinado contexto, nós somos brindados com a possibilidade de “saber” que algo vai terminar? Ou que alguém do qual nós gostamos muito – amamos – irá se despedir de nós para sempre? Toda uma série de parâmetros sobre como enfrentar a vida são colocados de cabeça para baixo. Passamos então a buscar algo que nos coloque de volta nos trilhos, que nos reverta para o eixo sobre o qual pautávamos nossa vida, para dessa forma saber enfrentar bem esse período, essa passagem, que nos dê mesmo algumas “dicas” de como superar essa luta e olhar para frente.

É sobre isso que trata a obra “O Clube do Livro do Fim da Vida”, de Will Schwalbe – Ed. Objetiva, 292 págs. – 2013. É um livro biográfico. Não, não é auto-biográfico, pois trata de como Schwalbe enfrentou a notícia de que sua mãe estava com câncer e que talvez tivesse poucos meses de vida. Mas não somente sob a ótica dele, como também sob a ótica dela, interpretada pelo autor. O livro não é focado nele, mas sim nela, e nos livros que ambos partilharam neste período, e como ambos – ela e os livros – trouxeram um norte para a vida dele.

Enquanto estava escrevendo este livro, me deparei com meu exemplar de O Preço do Sal (1). E achei um pedaço um pedaço de papel com uma carta que mamãe escrevera: “Todos nós devemos a todo mundo por tudo que acontece em nossas vidas. Mas não é como ter uma dívida para com uma única pessoa – de fato devemos a todo mundo por tudo. Nossa vida inteira pode mudar num instante – portanto, cada pessoa que impede que isso aconteça, por menor que seja o papel que ela exerce, também é responsável por tudo. Somente por dar amizade e amor, você já impede que as pessoas à sua volta desistam – e cada expressão de amizade ou amor talvez seja aquela que faz toda a diferença”. Pág. 187.


Todos vocês sabem que sou um apaixonado pelos livros – senão nem mesmo um blog como este existiria. A importância deles na minha vida é enorme, são marcos de etapas vividas. Cada um deles em minha estante conta um pedaço da minha história, além das próprias estórias inseridas neles mesmos. Sentimentos que foram gerados, lições aprendidas, conceitos entendidos, crescimento pessoal enfim.

Mas, no meu caso, ainda é uma experiência individual, particular – e eu mesmo, provavelmente, prefiro que seja assim. No caso de Schwalbe, ao contrário, foi algo que ele desfrutou com sua mãe, no formato “clube do livro”. Este trata-se, normalmente, de um grupo de pessoas que se compromete a ler uma determinada obra num prazo específico, para debaterem sobre a mesma numa data a ser estipulada.

Esta obrigação talvez seja o que me afasta de uma dinâmica como esta. O livro para mim é um momento de relaxamento, de introspecção para comigo mesmo. Algo que me ajuda a compreender o que está ocorrendo ao meu redor, porém com um olhar externo que se mistura com as minhas próprias percepções e preconceitos, algumas vezes até mudando a minha visão das coisas.

Mamãe me ensinou a não desviar os olhos do pior, mas sim acreditar que todos podemos fazer melhor. Jamais vacilou em sua convicção de que os livros são a ferramenta mais poderosa do arsenal humano, de que ler todo tipo de livros, qualquer que seja o formato escolhido [...], é o maior entretenimento de todos, e também é como você participa da conversa humana. Ela me ensinou que você pode fazer uma diferença no mundo, e que os livros realmente importam: é com eles que sabemos o que precisamos fazer na vida, e como dizemos isso aos outros. Ela também me mostrou, [...], que os livros podem ser o modo como nos aproximamos uns dos outros, e continuamos próximos [...]. Pág. 283.


Porém, para Schwalbe foi fundamental este diálogo. Através dele pode compreender a criatura maravilhosa que tinha ao lado em torno dos seus mínimos aspectos. Soube, inclusive, identificar os limites, a fronteira que não poderia ser ultrapassada em torno das suas reminiscências, respeitando a individualidade da sua mãe. Ela, uma guerreira em favor da educação e que já havia prestado tantos serviços voluntários mundo afora, de repente, sem perceber, era objeto de um voluntariado prazeroso, a partir do próprio filho.

Percebi que, durante o tempo restante que tinha com minha mãe, precisava me concentrar mais – tomar cuidado de não interromper nossas conversas com outras conversas. [...] Mas a vida moderna em si é uma máquina de interrupção: telefonemas, e-mails, SMS, notícias, televisão e nossas próprias mentes inquietas. O maior presente que você pode dar a alguém é sua atenção indivisa [...]. Pág. 170.

Ora, este é um livro que vocês sabem o final desde que começam lê-lo, assim como a sua “personagem” principal o sabia – ela tinha por hábito ler os finais antes de começar o livro. Mas este final foi apenas o começo do entendimento de Schwalbe – um ex-editor de livros a se dedicar a um site sobre culinária – sobre como determinadas obras podem mudar vidas. A obra maior que ele leu foi a vida da sua mãe. E a leu tão bem que soube descrevê-la com destreza, deixando um legado para que outras pessoas também pudessem aprender com ela, desde as grandes lições expostas acima, até as mais triviais, que nos moldam como seres humanos:




Muitas vezes penso nas coisas que mamãe me ensinou. Arrume a cama toda manhã – não importa se você tem vontade ou não, faça isso e pronto. Escreva mensagens de agradecimento imediatamente. Desfaça a mala, mesmo se só vai passar uma noite no lugar. Se você não está dez minutos adiantado, então está atrasado. Seja alegre e escute as pessoas, mesmo que não esteja com vontade. Diga a seu cônjuge (filhos, netos, pais) que você o ama todos os dias. Use forro protetor dentro das gavetas. Mantenha uma coleção de presentes à mão, [...] para sempre ter algo para dar às pessoas. Comemore ocasiões. Seja bondoso. Pág. 282

OBS.: Coincidentemente, logo após ter ganho este livro pude ler uma análise sobre o mesmo e o seu impacto na coluna de Barbara Soalheiro, na Revista Vida Simples, da Editora Abril – edição de Novembro – “A Melhor Ideia do Mundo é Simples” – Pág. 63. Barbara teve a oportunidade de assistir uma palestra do autor, Will Schwalbe, e dela retirou alguns ensinamentos, dos quais ressalto dois: “(1) venha o que vier, uma coisa não deve mudar: ler é como nós instalamos novos softwares nessa máquina chamada de cérebro. ‘Se você não tem tempo de ler, acorde uma hora mais cedo’. [...] (3) Conversas sobre um livro são sempre as mais interessantes que se pode ter com alguém; elas são capazes de te aproximar do outro de um jeito profundo, estreitando a comunicação e diminuindo o vão que sempre existe entre nossos modos de ver o mundo. ‘Ler é o oposto de morrer’, finalizou ele”.


        (1) O Preço do Sal (The Price of Salt) – Patricia Highsmith.

4 comentários:

  1. Léo, lindo post, lindo de verdade!
    Tentamos, aquelas amigas de colégio, fazer um clube do livro nos moldes que você citou. Não deu certo porque não encontrávamos um título de agradava a todas ou nem todas liam no tempo estipulado. Não ultrapassou a primeira reunião.
    Adoro discutir os livros lidos, o Bragatto, também. Então, a gente discute os livros mesmo que o outro não tenha lido. Ele praticamente conta o livro inteiro, mas mesmo assim é interessante.

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  2. Pretendo ler o livro. Acho que foi na Revista Bons Fluidos que este livro foi mencionado também.

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  3. Este livro é o tipo de livro que todos mereciam ler.... maravilhoso... Parabéns pela resenha....

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