domingo, 9 de novembro de 2025

América Latina, lado B

 Ao adquirir a obra “América Latina, lado B”, do autor Ariel Palacios, publicada pela editora Globo Livros (2024 – 448 págs) as primeiras coisas que me vieram a cabeça foram a inteligência e a rapidez de raciocínio - além do amplo arsenal de cultura geral – do autor, reconhecido jornalista e correspondente da Globo, instalado em Buenos Aires, Argentina, há muitos anos. O acompanho mais detidamente quando de suas entradas nos telejornais da supracitada rede de televisão, inclusive naquelas dedicadas a esportes - ocasião em que ele já expos ser torcedor do Londrina, clube da cidade homônima do Paraná da qual é originário. 


A obra não decepciona nesse sentido. Sempre com o humor afiado, 
Palacios destrincha uma série de acontecimentos bizarros ocorridos nos diversos países que nos avizinham na América Latina – nem todos com fronteiras terrestres, mais ao sul, mas incluindo também todos aqueles que compõem o cinturão que chega até o grande irmão do Norte. Estes acontecimentos remontam a alguns séculos passados, mas ganham maior fulgor quando associados a épocas mais recentes - século XX em diante – pois dessa forma se aproximam senão de uma realidade vivida diretamente por nós, mas seguramente por nossos pais, avós ou bisavós. Ou seja, fatos que estão latentes em nossas experiências genéticas, das quais lemos nos livros de História primeiro como algo distante e, posteriormente, com a percepção do quanto estes mesmos elementos compuseram nossos traços como povo.
 

Palacios logo em seu início indica que o livro se dedica aos nossos vizinhos – e não a nós mesmos. Isso porque os brasileiros são os maiores sabedores de sua própria desgraça, quando nos atemos aos políticos por nós eleitos, dos quais pouco nos orgulhamos, salvo honrosas exceções. Dessa forma, a intenção do autor é trazer à luz para os leitores tupiniquins fatos ocorridos dos quais muitas vezes não damos tanta importância, por serem alocados em terras outras que não as nossas, como se isso nunca fosse nos atingir – o que sabemos ser uma falácia. 

Desse modo, ao terminar o livro, entre risos nervosos de comédias dramáticas, imaginamos o quanto estamos imersos naquilo que se cunhou realismo fantástico, tão em voga na literatura latino-americana. Não fôssemos nós atores coadjuvantes dessa peça de nossas vidas, por vezes imaginando que podemos alterar uma tendência irrefreável de horrores, talvez, ao menos, para seguirmos adiante, alcancemos a capacidade de rir de nossas desgraças e tornar tudo em seu entorno mais leve. 

Creio ser essa a grande lição que fica desta obra: sabermos ter a clarividência de que o inferno são os outros, tendo, porém, a consciência de que cada ato nosso, se realizado de maneira equivocada, somente tornarão mais agudos os problemas nos quais estamos inseridos e nos encaminharão para um teatro de terror contínuo. Cabe a nós, nesse sentido, buscar a melhor maneira de tomarmos decisões que tenham como objetivo, ao menos, alterar o final desta peça. E, durante essa jornada, que saibamos nos divertir, ao menos. Abaixo, uma pequena amostra dessa pérola que nos foi lançada, sobre o final da ditadura paraguaia de Alfredo Stroessner: 

Em 1989, seu próprio consogro, o general Andrés Rodríguez, preparou o golpe para derrubar Stroessner. O plano era pegar o ditador na casa de sua amante, Estela Legal, de forma a evitar um massacre no palácio presidencial ou na residência oficial. No dia 2 de fevereiro, os chefes da rebelião decidiram antecipar o golpe foram até o quarteirão da casa da amante de Stroessner e ficaram esperando que ele entrasse ali. O ditador chegou às 8 horas da noite. Um dos rebeldes, o coronel Díaz Delmás, tentou avisar as tropas pelo walkie-talkie, mas o aparelho não funcionava, de forma que ele demorou algum tempo para dar a informação aos companheiros, que chegaram em três caminhões. A ordem era derrubar o portão dos fundos e entrar disparando, mas Delmás viu que os caminhões passavam direto pela casa. Desesperado, correu atrás deles e um dos motoristas lhe confessou: “Não tínhamos o endereço correto...”. [pág. 250]. 

 

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