domingo, 29 de setembro de 2013

As Regras da Casa de Sidra

Os escritores, assim como os músicos, recebem influências a todo momento, influências estas que são transportadas diretamente para o teor de sua obra. Quando os samplers viraram moda, muitos foram os músicos que buscaram em suas raízes o redesenho, uma releitura, de determinadas músicas, abusando algumas vezes até de trechos inteiros de suas obras originais, literalmente.

A primeira impressão que temos ao ler “As Regras da Casa de Sidra”, de John Irving (Ed. Rocco, 2013, 671 páginas) é justamente esta. Não somente pelo estilo, mas como também, de certa maneira, o autor assume por diversas vezes no decorrer da estória obras e autores que estiveram presentes em sua mente quando a criou:

Dickens era um favorito pessoal do Dr. Larch; não era por acaso, é claro, que tanto Great Expectations quanto David Copperfield falassem de órfãos. (“O que mais se poderia ler para um órfão?”, indagou o Dr. Larch em seu diário.) – pág. 39

O estilo detalhista e rebuscado de Dickens se faz presente a todo momento. Mais a frente outra autora – Emile Brönte e sua obra, Jane Eyre, também é citada – porém, de uma verve muito parecida. Muito provavelmente o tema central do livro – o desabrochar para a vida de um órfão – tenha sido a centelha que fez reavivar em Irving tais referências.


Especificamente em relação ao livro, vencer a sua primeira metade exige do leitor um entendimento de que o vagar na narrativa serve a um propósito: a dar todo o entorno para uma aceleração de embate existencial dos seus personagens centrais na sua segunda metade. Dessa forma, há que se ter paciência e entender este universo, o que não é nada fácil para um livro de mais de 600 páginas, devo confessar.

Homer Wells é o menino mais velho de um orfanato localizado no interior dos Estados Unidos – Saint Cloud é o nome da instituição. Ele vive o dilema entre ter sido treinado com zelo pelo médico e administrador principal, Dr. Larch, na prática do aborto consentido, e sua paixão pela vida. Anseia sair daquele casulo para então encontrar um verdadeiro sentido para sua vida.

No desenrolar da estória, após identificar o que entende ser uma possível saída junto a uma família proprietária do negócio de produzir maçãs – daí a menção à Casa de Sidra – descobre um outro dilema – como amar, sem culpa, aquela mulher do seu “irmão” postiço, que para complicar um pouco mais a equação, também demonstra um bem querer em relação a ele.

Tais dilemas apontam claramente para o que foi a traduzido de maneira fiel no título do filme gerado a partir dessa obra: “Regras da Vida”, tendo Tobey Maguire e Charlize Theron nos papéis principais (é fácil imaginar Maguire – mais conhecido pelo papel de Peter Parker, alter ego do Homem-Aranha, na trilogia anteriormente desenvolvida pela Marvel – vivendo o papel de Homer Wells). Enfrentamos “dilemas” durante toda nossa vida porque estamos presos às regras estabelecidas pelo convívio em sociedade, na comunidade em que vivemos. Se tais regras não existissem – ou se não as aceitássemos abertamente – tais dilemas não existiriam.

John Irving ao ganhar o Oscar por roteiro adaptado para sua obra "The Cider House Rules"

Muito do inconformismo do ser humano está ligado a querer caminhar para a esquerda quando todos caminham para a direita. Irving, com sua obra, demonstra a construção da personalidade se dá através de uma árdua caminhada que tem muitas esquerdas e direitas, e que não necessariamente a escolha perante uma determinada encruzilhada significa que você fugiu ao seu destino. Apenas escolheu uma trajetória mais longa, mas o destino estará lá, te esperando.

Tais escolhas é que fazem da nossa vida uma cesta intensa de emoções. Se escolhemos um determinado caminho e este se apresenta extremamente repleto de aventuras, não significa que não as teremos quando optamos pelo outro lado, que a princípio pode se mostrar monótono, mas é apenas uma etapa a ser vencida rumo a novos e intensos sentimentos. O que nós não podemos é fazer com que as regras impostas sejam barreiras para as nossas melhores escolhas.

Michael Caine como Dr. Wilbur Larch e Tobey Maguire como Homer Wells

O personagem do Dr. Larch – mentor intelectual de Wells – na primeira parte do livro, representa, de uma certa forma esse ideário. Seu jargão principal era que todos “deviam ser de utilidade” para a sociedade. Mesmo que esta sociedade não entenda o papel que você está exercendo. Ele cria suas próprias regras para isso, não se importando com as leis e costumes da comunidade em que está inserido, porque está convicto de que está fazendo o bem a ela própria.

A mensagem que fica, portanto, está montada no seguinte tripé: o amor pelo próximo acima de tudo / fazer o bem a todos, mesmo que estes não compreendam suas atitudes / as regras são úteis, desde que não sejam fonte limitadora da liberdade de opções na definição pelo melhor para as nossas vidas. E aí, vai encarar?


OBS.: vale a pena, caso você esteja numa livraria com a possibilidade de folhear o livro, ver o inconformismo de Larch com o que a sociedade faz a si mesmo e o seu didatismo, levando-o a escrever 4 regras básicas para o uso de preservativos – págs. 456-457. Um momento hilário em meio a uma revolta.

2 comentários:

  1. Respostas
    1. Lúcia, ele é um autor muito bem conceituado nos EUA. Só tenho dúvidas, caso ele mantenha o estilo do livro por mim aqui avaliado, se será do seu gosto. Vá em frente e depois me diga.

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