sábado, 21 de setembro de 2013

Taxi Libre: agenda de un taxista

Transporte urbano. Este talvez seja um dos grandes dilemas da sociedade moderna. A qualidade de vida é diretamente medida, dentre outros indicadores, pela possibilidade de deslocamento rápido de um ponto a outro da cidade, qualquer que seja sua origem e seu destino. Em tempos de estrutura precária em termos de opções para o transporte coletivo – todos sempre cheios, ou todos com atrasos, ou em estado precário, ou pior, tudo isso junto – a depender do custo associado, os táxis acabam ganhando uma preferência particular para aqueles que podem suportá-lo em termos financeiros.

Buenos Aires é uma dessas cidades que estão neste grupo. Repleta de taxistas, para todos os gostos, e com a comparativa valorização cambial em favor do real, propicia aos brasileiros a alternativa de uso pelos “amarillos y negros” para o deslocamento fácil numa capital que pouco a pouco vai se tornando tremendamente conhecida para nós, tal o afluxo de turistas que todo ano para lá se dirige. Eu mesmo, por questões profissionais, já estive por lá muitas vezes nos últimos anos, e sempre me utilizei dos táxis da cidade para deslocar, sem utilizar nenhuma outra opção.

Um livro descortina o universo dos taxistas portenhos: “Taxi Libre: agenda de un taxista” – Mario Aramburu – Editorial de Arte – 2012 – 96 págs. Aramburu, Presidente do Instituto Nacional da Propriedade Industrial da Argentina, figura singular com a qual tenho o prazer de conviver profissionalmente, tem como principal característica pessoal um humor sarcástico – para alguns talvez ácido demais – que, uma vez sendo assimilado de maneira afável, torna-se um grande companheiro para boas histórias.

Don Mario Aramburu

Com esse olhar, nada mais natural para ele que se identificar com o humor característico e as histórias relatadas pelos taxistas de Buenos Aires. Tais histórias, muito provavelmente, encontram similitude com esta mesma classe em outros países. Porém, bem o sabemos que cada povo guarda um certo traço peculiar, e nossos vizinhos, com os quais travamos relacionamento há séculos, já marcam sua presença pela picardia típica do Rio do Prata, identificando os pontos fracos do “adversário” para poder marcá-lo em sua argumentação e convivência. Quando isto é feito com o devido bom humor, sabendo-se compreender seu contexto, estamos inseridos então num ambiente de confortável viver.

Por experiência própria posso lhes dizer que a tão divulgada rivalidade entre brasileiros e argentinos, que gera uma constante fonte de piadas de ambos os lados, se atém na maior parte das vezes ao mundo esportivo. Acredito que ambos os povos já notaram – e aqui não se encontra nenhuma avaliação em termos governamentais, devo dizer, mas sim humanos – que somente juntos poderão construir um futuro melhor para suas respectivas sociedades. Temos inclusive uma província deles aqui no Brasil, chamada Búzios, muito bem freqüentada por todos, sem nenhum tipo de problema.

Um típico táxi de Buenos Aires

Este contexto acima apontado por mim foi reforçado justamente nas duas últimas viagens feitas à Buenos Aires, à bordo dos táxis daquela capital. Tive pelo menos três ótimas conversas com taxistas daquelas cidades – uma sobre futebol, é claro, e a qualidade da seleção deles, outra sobre economia (e como os brasileiros vêem a situação econômica de nossos vizinhos) e a evolução das mulheres na sociedade. Este último, em especial, teve o seguinte dizer: “Se hoje em dia um homem anuncia para sua mulher que irá sair de casa ela lhe diz – ‘Vá, vá logo, tome o cartão do meu advogado e não me procure mais’. Não existe mais aquela mulher que fica se lamentando...”.

São histórias como essas que encontramos em Taxi Libre. Aqui, abaixo, um pequeno trecho para aguçar sua curiosidade, en bueno español:

Ese diván circunstancial y ambulante en que a menudo se convierte un taxi, tiene un ida y vuelta. [...] Ese día Ramón andaba con ganas de hablar y aprovechó al primer pasajero con cara de saber escuchar para hablar contar sus problemas, sobre todo amorosos. [...] El pasajero asentía con monosílabos. Con algún que outro ‘hum’ que era como una invitación a seguir hablando y Ramón siguió. [...] Pero ya estaban llegando a Salguero y Güemes, el corazón de Villa Freud como se la llama en la Ciudad Autónoma de Buenos Aires y el pasajero, sin mediar palabra le alcanzó junto con el precio del viaje una tarjeta: “Germán Goldberg, psicoanalista”. Debajo una dirección y un teléfono. Y le dijo: - Te espero el lunes, son cien pesos la sesión, pero por ser vos te voy a cobrar ochenta. En esse mismo momento Ramón juró no confesarse jamás con pasajeros de aspecto comprensivo.

(Confesiones al volante – págs. 76-77)

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