sexta-feira, 18 de março de 2016

1808, 1822 e 1889

O jornalista Laurentino Gomes se propôs um desafio: escrever sobre os grandes momentos da História do Brasil no século XIX de maneira mais acessível ao leitor comum, não acadêmico. Ele citou alguns exemplos desta dificuldade na introdução do primeiro deles, 1808, livro ganhador do prêmio Jabuti de melhor livro-reportagem e Livro do Ano de Não-Ficção, além de melhor Ensaio, Crítica ou História Literária pela Academia Brasileira de Letras:
Laurentino Gomes e suas obras

A obra mais importante sobre o período é o livro D. João VI no Brasil, do diplomata e historiador Manuel de Oliveira Lima. [...] O estilo árido do texto de Oliveira Lima, porém, torna-o cansativo até para leitores mais familiarizados com o idioma peculiar das teses de pós-graduação (GOMES, 2007:18)

Acredito que este desafio ele tenha vencido. Tive a oportunidade de ler não somente 1808, mas na sequência as demais obras que compõem esse tríduo produzido a partir do esforço do jornalista em retratar os momentos que caracterizaram a geração da atual república brasileira, e porque não dizer, suas mazelas e suas principais qualidades, entranhadas tal qual raízes naquela amálgama de interesses e relações do poder para com o poder e do poder para o com povo.

Suas obras não necessariamente seguem uma ordem cronológica. No estilo reportagem ao qual se atêm, elas buscam na identificação dos principais atores e fatos, e sua respectiva caracterização, uma maneira de atender aos diferentes públicos. Pesquisadores e estudantes que tenham interesse num aspecto específico ali retratado poderão ir a um determinado capítulo que o trata. Aqueles que têm interesse em ter acesso ao quadro geral lerão tranquilamente cada um dos livros com deleite, observando que os maiores nomes da História passada do país eram também simples seres humanos, com suas fraquezas e fortalezas de caráter. Chama a atenção, principalmente, como o sentimento mundano da luxúria se fazia presente e muitas vezes ditava o encaminhamento do dia. Óbvio que neste caso o principal personagem foi D. Pedro I, central em 1822, o segundo livro.

Dom João VI
Se fôssemos, portanto, levados a estigmatizar os três livros produzidos, diríamos que cada um deles tem o seu personagem central. 1808 tem em D. João VI aquele monarca que, ao mesmo tempo titubeante na maior parte dos assuntos que tinha que tratar, mostrou-se de uma determinação sem igual ao tomar a decisão de levar toda a corte de Portugal para o Brasil, escapando de Napoleão. O francês assim colocou: “Foi o único que me enganou”, em suas memórias escritas pouco antes de morrer no exílio da Ilha de Santa Helena (GOMES, 2007:25).

1822, como dito acima, tem sua base no desenvolvimento de D. Pedro I enquanto condutor da independência brasileira. Porém, mesmo tendo este status, até mesmo naquele que seria o seu maior momento – o grito do Ipiranga – havia um quê de desassossego sexual o impulsionando, com os hormônios agindo indômitos. Isto porque tal grito teria se dado em meio a uma viagem empreendida que tinha, entre outros objetivos, “apaziguar os ânimos na província [São Paulo], dividida entre dois grupos políticos (...)” (GOMES, 2010:101).

Dom Pedro I
Era a primeira vez que a população simples do vale do Paraíba e cidades vizinhas via um membro da família real portuguesa. Todos se surpreendiam com a simplicidade e os modos quase grosseiros do príncipe regente. (...) D. Pedro se comportava como um adolescente em férias. (...) Dias mais tarde, já em Santos, encantou-se com uma jovem mulata ao atravessar a rua. Cercou-a fazendo galanteios e tentou segurá-la pelos braços. Irritada e sem reconhecer o príncipe, a moça desferiu-lhe uma bofetada e saiu correndo. (GOMES, 2010:102, 103)

Ou seja, a imagem de um homem sério e cioso de suas responsabilidades, acaba por ser desanuviada, dado que esta era passada para que o simbolismo de uma época fosse preservado. De todo modo, fica claro em 1822 que a instalação do império no Brasil foi a melhor solução para manter a sua unidade territorial. E digamos assim: D. Pedro também contribuiu para povoar a nova nação, traçando – com trocadilho – uma diretriz de miscigenação que veio a nos caracterizar.

Sua vida privada foi intensa e tumultuada. Embora não bebesse, gostava de farras, noitadas, amigos de má reputação e, em especial, das mulheres. (...) Nos dois casamentos oficiais, D. Pedro teve oito filhos, sete com Leopoldina e um com Amélia. Fora do casamento, o número é lendário. Octávio Tarquino de Sousa assegura que, entre naturais e bastardos, teve uma dúzia e meia de filhos. Alguns cronistas chegaram a lhe atribuir mais de 120 rebentos ilegítimos, cifra nunca comprovada, mas não de todo impossível. Em menos de um ano, entre novembro de 1823 e agosto de 1824, teve três filhos, todos com mulheres diferentes (...)”. (GOMES, 2010:121, 122)

Dom Pedro II
Passada a Independência, Laurentino Gomes se ateria então ao desenvolvimento do Segundo Reinado em direção à proclamação da República. Neste terceiro livro – 1889 – teríamos, portanto não somente um personagem central, mas pelo menos dois: D. Pedro II e Marechal Deodoro da Fonseca.
Deodoro da Fonseca

Teríamos ainda, para fazer justiça histórica, Benjamin Constant, que até então para mim era somente o nome do Instituto para Cegos, como um dos principais artífices para o surgimento da República no país.
Benjamin Constant
Civis articulados, gerenciando uma revolta que viria a partir dos quartéis, foi o retrato do ocorrido naquela ocasião – e talvez em alguma outra mais à frente na História. No próprio subtítulo do livro esses três personagens são exaltados – “Como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um professor injustiçado contribuíram para o fim da Monarquia e a Proclamação da República no Brasil”.

Floriano Peixoto
Eu teria dado espaço, ainda, no subtítulo a Floriano Peixoto, por ter sido um personagem relevante no início de nossa trajetória republicana, quer seja no papel dúbio durante o processo de proclamação, quer seja pelas atitudes ditatoriais durante o seu mandato enquanto presidente, personagem que ficou conhecido como o “Marechal de Ferro”, tão complexo que foi considerado de difícil caracterização por seus biógrafos, mas que com certeza teve grande importância na consolidação da geografia e da política brasileira no início do século XX.


Dessa maneira, os livros se completam para se ter um cenário completo do século XIX e o impacto que este veio a ter sobre o perfil de nosso país. Na linha do que foi dito no parágrafo anterior, em 1808 teríamos a destacar ainda Carlota Joaquina – a meu ver, talvez em exagero. No subtítulo é citada ainda “a corte corrupta”, o que, infelizmente para nós, acabou por ser um traço recorrente entre a classe política de nosso país. Já em 1822 temos a destacar ainda o papel de José Bonifácio, D. Leopoldina e Thomas Alexander Cochrane, o famoso Almirante Cochrane – esses dois últimos, devo mais uma vez dizer, que creio em exagero.

Em termos de forma dois comentários. Primeiro Laurentino se preocupa no início de 1822 fazer um breve apanhado do que já havia exposto em 1808. Assim dizendo, quem não tivesse a intenção de ler o primeiro, poderia partir diretamente para o segundo. Já em 1889 não existe tal preocupação. Denota-se que em termos de formação do caráter nacional, realmente os dois últimos livros parecem ser os mais relevantes, mas isso é muito subjetivo. Minha sugestão seria dar igual importância a todos os três. Por último, a se notar que no segundo livro as notas de referência encontram-se ao final de cada capítulo, no que por um gosto particular meu, entendo ser de mais fácil acesso ao leitor. Porém no terceiro livro ele torna a colocá-las no final da obra.

Após a leitura dos três livros fica a curiosidade de como o autor vê os desdobramentos mais recentes de nossa política. A título de sugestão para o mesmo – se é que ele já não o está fazendo - atacar com o seu olhar o período pós-ditadura. Seria um exercício interessante para melhor entendermos os dilemas dos dias atuais. Afinal, como o próprio colocou:

Em 1984, (...) ruas e praças de todo o Brasil foram palco de coloridas, emocionadas e pacíficas manifestações políticas, nas quais milhões de pessoas exigiam o direito de eleger seus representantes. A Campanha das Diretas, que pôs fim a duas décadas de regime militar, abriu caminho para que a República pudesse, finalmente, incorporar o povo na construção do seu futuro. É esse desafio que os brasileiros se encarregam atualmente. (GOMES, 2013:380) – grifo nosso.

Referências:

Laurentino Gomes – 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil – São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007 – 365 páginas;

______________ - 1822: como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil – um país que tinha tudo para dar errado – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010 – 352 páginas;


______________ - 1889: como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um professor injustiçado contribuíram para o fim da monarquia e a proclamação da República no Brasil – São Paulo: Globo, 2013 – 416 páginas.

3 comentários:

  1. Extraído do WhatsApp:

    Leop, acho os livros incríveis. Mas não consegui terminar o último (1889), por achar tudo muito parecido com nossos tempos. Interesses escusos pessoas sendo manipuladas, etc. A leitura não estava me fazendo bem. E olha que não estávamos neste atual estágio!!!! Nossos problemas vêm de longe. Mas temos chance de começar a mudar botando todos na cadeia.

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  2. Extraído do WhatsApp

    Bem lembrado , Leopoldo. Sou leitor é admirador desta série do Laurentino Gomes. E , assim como vc, também estou tentando fazer um paralelo entre estes períodos de nossa história e o que acontece hoje. Mas não consigo ou não tenho capacidade para tanto. No entanto...

    No entanto, existe um personagem que eu adoro : Francisco Gomes da Silva, mais conhecido como Chalaça. Foi político, amigo e confidente de Pedro I , além de companheiro de esbórnia do Imperador. Foi ele quem apresentou a d. Pedro a mulher que se tornaria Marquesa dos Santos. E daí ?

    Daí que o que mais temos hoje em dia são versões do Chalaça. Pra todos os gostos.

    É o que falta são homens da envergadura moral de um D. Pedro II. O maior estadista da nossa história .

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  3. Li os três e confesso que depois me aventurei a ler outros sobre o mesmo assunto.

    Dos três o 1922 foi o que mais me fascinou, o texto consegue descrever bem todo dinamismo de D. Pedro I.
    Algo que me chamou muito a atenção foi a grande importância e influência da maçonaria naquela época. Acredito que a mesma também tenha influenciado no retorno de D. Pedro I a Portugal após a independência do nosso pais.

    Já o 1889 me chamou a atenção a pena de banimento imposta a família imperial, além da passividade deles perante o Golpe republicano.

    Após ler o três livros fiquei refletindo se ainda temos uma tradição monárquica, algo que nos diferenciaria das republiquetas latino americanas

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