O
jornalista Laurentino Gomes se propôs um desafio: escrever sobre os grandes
momentos da História do Brasil no século XIX de maneira mais acessível ao
leitor comum, não acadêmico. Ele citou alguns exemplos desta dificuldade na
introdução do primeiro deles, 1808,
livro ganhador do prêmio Jabuti de melhor livro-reportagem e Livro do Ano de
Não-Ficção, além de melhor Ensaio, Crítica ou História Literária pela Academia
Brasileira de Letras:
Laurentino Gomes e suas obras |
A obra mais
importante sobre o período é o livro D.
João VI no Brasil, do diplomata e historiador Manuel de Oliveira Lima.
[...] O estilo árido do texto de Oliveira Lima, porém, torna-o cansativo até
para leitores mais familiarizados com o idioma peculiar das teses de pós-graduação
(GOMES, 2007:18)
Acredito
que este desafio ele tenha vencido. Tive a oportunidade de ler não somente 1808, mas na sequência as demais obras que
compõem esse tríduo produzido a partir do esforço do jornalista em retratar os
momentos que caracterizaram a geração da atual república brasileira, e porque
não dizer, suas mazelas e suas principais qualidades, entranhadas tal qual
raízes naquela amálgama de interesses e relações do poder para com o poder e do
poder para o com povo.
Suas
obras não necessariamente seguem uma ordem cronológica. No estilo reportagem ao
qual se atêm, elas buscam na identificação dos principais atores e fatos, e sua
respectiva caracterização, uma maneira de atender aos diferentes públicos.
Pesquisadores e estudantes que tenham interesse num aspecto específico ali
retratado poderão ir a um determinado capítulo que o trata. Aqueles que têm
interesse em ter acesso ao quadro geral lerão tranquilamente cada um dos livros
com deleite, observando que os maiores nomes da História passada do país eram
também simples seres humanos, com suas fraquezas e fortalezas de caráter. Chama
a atenção, principalmente, como o sentimento mundano da luxúria se fazia
presente e muitas vezes ditava o encaminhamento do dia. Óbvio que neste caso o
principal personagem foi D. Pedro I, central em 1822, o segundo livro.
Dom João VI |
Se
fôssemos, portanto, levados a estigmatizar os três livros produzidos, diríamos
que cada um deles tem o seu personagem central. 1808 tem em D. João VI aquele monarca que, ao mesmo tempo titubeante
na maior parte dos assuntos que tinha que tratar, mostrou-se de uma
determinação sem igual ao tomar a decisão de levar toda a corte de Portugal
para o Brasil, escapando de Napoleão. O francês assim colocou: “Foi o único que
me enganou”, em suas memórias escritas pouco antes de morrer no exílio da Ilha
de Santa Helena (GOMES, 2007:25).
Já
1822, como dito acima, tem sua base
no desenvolvimento de D. Pedro I enquanto condutor da independência brasileira.
Porém, mesmo tendo este status, até
mesmo naquele que seria o seu maior momento – o grito do Ipiranga – havia um
quê de desassossego sexual o impulsionando, com os hormônios agindo indômitos.
Isto porque tal grito teria se dado em meio a uma viagem empreendida que tinha,
entre outros objetivos, “apaziguar os ânimos na província [São Paulo], dividida
entre dois grupos políticos (...)” (GOMES, 2010:101).
Dom Pedro I |
Era a primeira
vez que a população simples do vale do Paraíba e cidades vizinhas via um membro
da família real portuguesa. Todos se surpreendiam com a simplicidade e os modos
quase grosseiros do príncipe regente. (...) D. Pedro se comportava como um
adolescente em férias. (...) Dias mais tarde, já em Santos, encantou-se com uma
jovem mulata ao atravessar a rua. Cercou-a fazendo galanteios e tentou
segurá-la pelos braços. Irritada e sem reconhecer o príncipe, a moça
desferiu-lhe uma bofetada e saiu correndo. (GOMES, 2010:102, 103)
Ou
seja, a imagem de um homem sério e cioso de suas responsabilidades, acaba por
ser desanuviada, dado que esta era passada para que o simbolismo de uma época
fosse preservado. De todo modo, fica claro em 1822 que a instalação do império no Brasil foi a melhor solução
para manter a sua unidade territorial. E digamos assim: D. Pedro também
contribuiu para povoar a nova nação, traçando – com trocadilho – uma diretriz
de miscigenação que veio a nos caracterizar.
Sua vida privada
foi intensa e tumultuada. Embora não bebesse, gostava de farras, noitadas,
amigos de má reputação e, em especial, das mulheres. (...) Nos dois casamentos
oficiais, D. Pedro teve oito filhos, sete com Leopoldina e um com Amélia. Fora
do casamento, o número é lendário. Octávio Tarquino de Sousa assegura que,
entre naturais e bastardos, teve uma dúzia e meia de filhos. Alguns cronistas
chegaram a lhe atribuir mais de 120 rebentos ilegítimos, cifra nunca
comprovada, mas não de todo impossível. Em menos de um ano, entre novembro de
1823 e agosto de 1824, teve três filhos, todos com mulheres diferentes (...)”.
(GOMES, 2010:121, 122)
Dom Pedro II |
Passada
a Independência, Laurentino Gomes se ateria então ao desenvolvimento do Segundo
Reinado em direção à proclamação da República. Neste terceiro livro – 1889 – teríamos, portanto não somente um
personagem central, mas pelo menos dois: D. Pedro II e Marechal Deodoro da
Fonseca.
Deodoro da Fonseca |
Teríamos ainda, para fazer justiça histórica, Benjamin Constant, que até então para mim era somente o nome do Instituto para Cegos, como um dos principais artífices para o surgimento da República no país.
Benjamin Constant |
Floriano Peixoto |
Dessa
maneira, os livros se completam para se ter um cenário completo do século XIX e
o impacto que este veio a ter sobre o perfil de nosso país. Na linha do que foi
dito no parágrafo anterior, em 1808
teríamos a destacar ainda Carlota Joaquina – a meu ver, talvez em exagero. No
subtítulo é citada ainda “a corte corrupta”, o que, infelizmente para nós,
acabou por ser um traço recorrente entre a classe política de nosso país. Já em
1822 temos a destacar ainda o papel
de José Bonifácio, D. Leopoldina e Thomas Alexander Cochrane, o famoso
Almirante Cochrane – esses dois últimos, devo mais uma vez dizer, que creio em
exagero.
Em
termos de forma dois comentários. Primeiro Laurentino se preocupa no início de 1822 fazer um breve apanhado do que já
havia exposto em 1808. Assim dizendo,
quem não tivesse a intenção de ler o primeiro, poderia partir diretamente para
o segundo. Já em 1889 não existe tal
preocupação. Denota-se que em termos de formação do caráter nacional, realmente
os dois últimos livros parecem ser os mais relevantes, mas isso é muito
subjetivo. Minha sugestão seria dar igual importância a todos os três. Por
último, a se notar que no segundo livro as notas de referência encontram-se ao
final de cada capítulo, no que por um gosto particular meu, entendo ser de mais
fácil acesso ao leitor. Porém no terceiro livro ele torna a colocá-las no final
da obra.
Após
a leitura dos três livros fica a curiosidade de como o autor vê os
desdobramentos mais recentes de nossa política. A título de sugestão para o
mesmo – se é que ele já não o está fazendo - atacar com o seu olhar o período
pós-ditadura. Seria um exercício interessante para melhor entendermos os
dilemas dos dias atuais. Afinal, como o próprio colocou:
Em 1984, (...)
ruas e praças de todo o Brasil foram palco de coloridas, emocionadas e pacíficas
manifestações políticas, nas quais milhões de pessoas exigiam o direito de
eleger seus representantes. A Campanha das Diretas, que pôs fim a duas décadas
de regime militar, abriu caminho para que a República pudesse, finalmente, incorporar o povo na construção do seu
futuro. É esse desafio que os brasileiros se encarregam atualmente. (GOMES,
2013:380) – grifo nosso.
Referências:
Laurentino
Gomes – 1808: como uma rainha louca, um
príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história
de Portugal e do Brasil – São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007 – 365 páginas;
______________
- 1822: como um homem sábio, uma princesa
triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil – um país
que tinha tudo para dar errado – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010 – 352
páginas;
______________
- 1889: como um imperador cansado, um
marechal vaidoso e um professor injustiçado contribuíram para o fim da monarquia
e a proclamação da República no Brasil – São Paulo: Globo, 2013 – 416 páginas.
Extraído do WhatsApp:
ResponderExcluirLeop, acho os livros incríveis. Mas não consegui terminar o último (1889), por achar tudo muito parecido com nossos tempos. Interesses escusos pessoas sendo manipuladas, etc. A leitura não estava me fazendo bem. E olha que não estávamos neste atual estágio!!!! Nossos problemas vêm de longe. Mas temos chance de começar a mudar botando todos na cadeia.
Extraído do WhatsApp
ResponderExcluirBem lembrado , Leopoldo. Sou leitor é admirador desta série do Laurentino Gomes. E , assim como vc, também estou tentando fazer um paralelo entre estes períodos de nossa história e o que acontece hoje. Mas não consigo ou não tenho capacidade para tanto. No entanto...
No entanto, existe um personagem que eu adoro : Francisco Gomes da Silva, mais conhecido como Chalaça. Foi político, amigo e confidente de Pedro I , além de companheiro de esbórnia do Imperador. Foi ele quem apresentou a d. Pedro a mulher que se tornaria Marquesa dos Santos. E daí ?
Daí que o que mais temos hoje em dia são versões do Chalaça. Pra todos os gostos.
É o que falta são homens da envergadura moral de um D. Pedro II. O maior estadista da nossa história .
Li os três e confesso que depois me aventurei a ler outros sobre o mesmo assunto.
ResponderExcluirDos três o 1922 foi o que mais me fascinou, o texto consegue descrever bem todo dinamismo de D. Pedro I.
Algo que me chamou muito a atenção foi a grande importância e influência da maçonaria naquela época. Acredito que a mesma também tenha influenciado no retorno de D. Pedro I a Portugal após a independência do nosso pais.
Já o 1889 me chamou a atenção a pena de banimento imposta a família imperial, além da passividade deles perante o Golpe republicano.
Após ler o três livros fiquei refletindo se ainda temos uma tradição monárquica, algo que nos diferenciaria das republiquetas latino americanas