Uma
das funções de um crítico de literatura é verificar se o autor da obra entrega
aquilo que promete. No caso do uso de um personagem já com uma trajetória,
ainda mais quando o autor em questão não é o criador original, a expectativa
aumenta, e o desafio se torna mais complexo.
A
complexidade estaria centrada em alguns pontos. Personagens revisitados o são
normalmente por terem alcançado certo relevo no mundo literário. Esse relevo,
por sua vez, está pautado pelo sucesso atingido junto aos leitores, que tem
como base a capacidade narrativa do escritor e a anima independente criada, ou seja, muitas vezes a personagem ganha
tal força no imaginário do leitor que passa a ter uma persona própria, imune a eventuais tropeços em obras de menor valor
– no caso, se for um personagem com uma grande gama de estórias. Se for o
personagem de uma única estória, e tem o impacto acima apontado, ele entrou
para eternidade – junto com o autor, por
supuesto!
Outro
aspecto é que tais personagens, por si só, já prometem muita coisa quando
incluídos numa trama. Antes de adentrar no mundo daquele que será aqui
analisado, o célebre Sherlock Holmes, detetive britânico cuja pousada se dava
em Baker Street, podemos exemplificar nos utilizando do mundo cinematográfico.
O que esperamos de filmes como do James Bond, Mad Max e Jason Bourne? Ação,
muita ação, é o elemento comum a todos. Mas cada um com sua devida sutileza.
James Bond necessariamente viria acompanhado das mulheres e de seu savoir faire – o que ganhou certa
aspereza com a ascensão Daniel Craig ao papel; com Mad Max imagina-se uma
corrida insana em busca da sobrevivência em condições precárias; e com Jason
Bourne, um sem número de truques e habilidades na luta corporal garimpadas em
meio a uma fuga desesperada por sua liberdade.
Chegamos
a então a Sherlock Holmes. Cria original de Sir Arthur Conan Doyle, o personagem
surge para o mundo no livro Um Estudo em
Vermelho, publicado pela primeira vez em 1887, pela revista Beeton's Christmas Annual (1). Com
o passar do tempo suas deduções lógicas, extraídas dos mínimos detalhes
observados, acompanhadas das considerações de seu nobre companheiro de
aventuras, o Dr. John Watson, tornaram-se marca indelével de seu caráter.
Portanto, o que se imagina quando temos Holmes numa trama? Um mistério de
resposta insondável a partir do qual somente ele poderá brilhar em sua
resolução.

É neste cenário que Cullin se aproveita, então,
para expor ao leitor uma série de questionamentos em forma de roteiro – como seria
a vida de alguém que viveu de sua capacidade intelectual a partir do momento em
que se vê envolto em falhas de memória? Como lidaria alguém tão independente
com a perspectiva solitária do limiar entre a vida e a morte? Ou seja,
compramos Holmes, mas recebemos uma tese sobre o impacto do envelhecimento
sobre o ser humano.

Resumindo: não é uma obra para muitos. Observando
o argumento elaborado no início, a expectativa gerada não corresponde ao mérito
do personagem. A estória em si tem seu valor, tendo gerado inclusive um filme
no qual o personagem é interpretado por Ian Mckellen – o Magneto (velho) de
X-Men (2). Uma estória que convida à reflexão. Mas os leitores tradicionais do
personagem se verão frustrados, a meu ver (3).
(2) http://www.adorocinema.com/filmes/filme-223770/criticas-adorocinema/
- “o foco realmente não está no
aspecto policial, e sim no potencial emotivo da trama. O possível melodrama
(indicado pela amizade frágil entre uma criança órfã e um gênio moribundo) é
atenuado por tiradas constantes de humor sarcástico tipicamente britânico, que
tornam a obra agradável, embora levemente monótona.
Mr. Holmes pretende
ser um filme inofensivo, palatável para todos os públicos, e por isso abre mão
de aspectos mais sombrios que seriam pertinentes à psicologia de um homem
traumatizado, que nunca experimentou paixões amorosas, guarda rancor do melhor
amigo Watson e alimenta uma crescente misantropia”.
(3) A obra tem, em paralelo, duas estórias investigativas (não
necessariamente emocionantes), vistas em flashback
pelo personagem principal. Aparentemente apenas uma delas foi aproveitada no
filme, mas digo isso sem tê-lo visto. A conferir.
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