sexta-feira, 15 de abril de 2016

Um Lugar Chamado Liberdade

Moleque, quando eu ouvia a música “Lêlê, lêlê, lêlê, lêlê, lêlê, lêlê, lêlê / Lêlê, lêlê, lêlê, lêlê, lêlê, lêlê, lêlê / Vida de nêgo é difícil, é difícil como quê / vida de nêgo é difícil, é difícil como quê” na voz de Dorival Caymmi, sabia que a novela Escrava Isaura (1), de 1976, entraria no ar. Nela, a personagem-título interpretada por Lucélia Santos passava o pão que o diabo amassou até ter o seu maior desejo conquistado: liberdade!

Dizem que as telenovelas têm algumas fórmulas, métricas mesmo, para garantir o sucesso. Nada tão diferente, provavelmente, dos folhetins que eram publicados nos jornais durante o século XIX e boa parte da primeira metade do século XX. Ou ainda do que se cravou como sucesso absoluto na história da literatura brasileira via José de Alencar, com os romances “O Guarani” (1857), “Iracema” (1865) ou “Lucíola” (1862), por exemplo (2).

Pois bem. Se tem um autor que em suas obras mais recentes nos leva a rememorar tais caminhos, pela lógica da construção da narrativa e, obviamente, com um linguajar mais moderno, este seria Ken Follet. Neste mesmo blog tivemos a oportunidade de analisar seu último tour de force, a trilogia “Queda de Gigantes”, que além do primeiro livro homônimo teve ainda como segundo e terceiro volumes, respectivamente, “Inverno do Mundo” e a “Eternidade por Um Fio”. Nestes ele segue a trajetória de cinco famílias em diferentes países, que têm suas vidas cruzadas em função de estarem no centro das ações das grandes potências globais, geradoras de duas Guerras Mundiais e um ambiente de Guerra Fria.

Acredito que, fruto do esforço de pesquisa para a escrita das obras acima citadas, Follet ainda teria ficado com o que poderíamos chamar de “rescaldo”. Enquanto em “Queda de Gigantes”, a origem de uma das famílias que teve sua trajetória seguida eram as minas no País de Gales, em “Um Lugar Chamado Liberdade” – Ed. Arqueiro (a mesma da trilogia com a qual comparamos) – São Paulo – 2014 – 400 páginas – ele remonta aos mineiros de carvão localizados na Escócia no século XVIII.


Vocês poderiam alegar que aí existe um ligeiro desvio temporal, dado que em “Queda de Gigantes” o autor em questão traçou sua rota a partir do final do século XIX. Porém, todos os elementos que constavam numa obra se encontram na outra, sendo feitos os devidos ajustes pela diferença no tempo – o amor não correspondido (3); a luta pela sobrevivência em condições desumanas; senhores de escravos, credores de gente de bem, mas ignorantes de seus direitos, etc. A própria sentença, introdutória ao título, diz muita coisa: “Separados pela Diferença Social, unidos pela Busca por (...)”.

Em “Um Lugar Chamado Liberdade”, Mack MacAsh, logo no início, mineiro subordinado à família Jamisson, descobre que pela legislação britânica teria direito à liberdade desde que não completasse, após a maioridade, 1 ano e 1 dia de trabalho nas minas. Tal ato jurídico era de desconhecimento total das famílias lá instaladas, que ofereciam seus rebentos para os Jamisson automaticamente, desde o batizado. Estamos em tempos de que os EUA ainda eram colônia da Inglaterra, e os debates em torno da liberdade do país americano começavam a ganhar força pelos lados de cá do Atlântico. Ou seja, ideias libertárias vagavam pelo mundo, e estas moveram MacAsh em busca de seu intento.

Ken Follet
O livro em si prende, como todo bom folhetim, mas fica aquela sensação de que já vimos isso antes, de que já sabemos o final dessa estória – aquele pensamento que nos rondava (ronda!?) quando começamos a acompanhar uma novela: sabemos que o mocinho fica com a bela moça no final, mas queremos acompanhar assim mesmo seu duro trajeto até que consiga seu objetivo (4). Mas ninguém, nenhum leitor pode dizer que foi pego desavisado. Follet entrega o que promete. Uma boa estória, ambientada num passado em que as emoções não eram expostas em mídias sociais, mas no relacionamento direto entre diferentes classes sociais em busca de uma resposta própria do que deveria ser o mundo, ou como seria um mundo ainda melhor.

Como curiosidade
uma versão em Inglês
do livro contendo na capa
a co-protagonista feminina.
(3)   “Durante uma visita dos Jamissons à propriedade, Mack acaba encontrando uma aliada incomum: Lizzie Hallim, uma jovem bela e bem-nascida, mas presa em seu inferno pessoal, numa sociedade em que as mulheres devem ser submissas e não têm vontade própria” – contra-capa.

(4)   Contrariamente do que está exposto na contra-capa do livro – “Ken Follet é um mestre absoluto em criar tramas complexas e emocionantes” – eu não diria que são complexas. Mas a emoção está sim, lá, presente.

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