No
meu último aniversário ganhei como presente um vale para compras numa livraria.
Perfeito. E lá fui eu... Levei 4 livros de uma tacada só. Nesta leva se
encontravam as 3 últimas aventuras dos personagens Mikael Blomkvist e Lisbeth
Salander, da até então trilogia Millenium, do sueco Stieg Larsson – Os Homens que Não Amavam as Mulheres; A
Menina que Brincava com Fogo; e A
Rainha do Castelo de Ar. Só que eu não adquiri o primeiro deles. Peraí, mas
existe uma confusão por aqui. Explicando...
No
meu pacote constava, além dos dois últimos, o quarto livro da até então
trilogia (!?). Entenderam? Pois é, foi lançada recentemente uma nova aventura
da dupla de personagens escandinavos. Porém esta mais recente estória foi
escrita por um autor diferente – claro, pois Larsson faleceu de ataque cardíaco
logo após a entrega dos manuscritos dos três livros acima citados à editora.
Dada a impossibilidade, foi alçado à empreitada o escritor e jornalista policial
David Lagercrantz, que gerou a obra intitulada A Garota na Teia de Aranha. Sueco, teve como principal obra, entre
romances publicados, a biografia de Zlatan Ibrahimovic, polêmico jogador de
futebol sueco, finalista de prêmios literários naquele país nórdico.
Stieg Larsson |
David Lagercrantz, autor do livro 4 da série Millenium A Garota na Teia de Aranha |
E
por que eu não comprei o primeiro livro da agora quadrilogia? Pelo simples fato
de já ter assistido o filme gerado a partir da obra original. E para horror dos
puristas, não, não assisti a versão sueca – a primeira a ser lançada e muito
elogiada, assim como suas sequências. E sim a produção hollywoodiana que conta
com os atores Daniel Craig (a atual James Bond) e Rooney Mara nos papéis
principais. O filme me agradou muitíssimo, o que atiçou a minha curiosidade
quanto à sequência da estória.
Desta
forma, vou dividir este meu post em 3 partes, para que vocês possam ter uma
melhor visão do todo em relação à análise crítica que pretendo empreender:
Primeira Parte –
a preocupação pela perda de aspectos centrais da obra
Quando
comecei a leitura do livro 2 – A Menina
que Brincava com Fogo – estava na minha mente, o tempo todo, se eu não
havia perdido algum aspecto relevante por não ter lido o primeiro volume da
obra de Larsson – Os Homens que Não
Amavam Mulheres. Algo que não tinha ficado claro para mim era o desfecho do
relacionamento entre Blomkvist e Salander. O filme deixou algo subentendido,
que talvez na versão literária tenha ficado mais clara. E esta explicação na
verdade eu só vim a obter no final do livro 3 – A Rainha do Castelo de Ar.
A
conclusão a que eu cheguei foi a confirmação de algo que sempre defendi, que é
a leitura dos livros que dão origem às versões cinematográficas antes destas
serem vistas. Muitas referências ficam mais claras, e algumas vezes os
diretores se perdem, achando que estariam explicando o óbvio. Por outro lado,
algumas as versões para a telona têm este objetivo mesmo, de deixar uma dúvida
no ar para aguçar o interesse dos espectadores por sua continuidade.
Pelo
que pude perceber, lendo o livro 2, os principais elementos da estória estavam
presentes na adaptação cinematográfica. Um ou outro aspecto poderia ser mais
detalhado no filme, mas provavelmente ele ficaria ou longo demais ou voltado
para um cenário que talvez não fosse o elemento central buscado. Existe um
entendimento pelo leitor que, como no meu caso, não tivesse lido o original.
Mas fica aquele desconforto por não ter navegado antes pelas páginas, como se
faltasse algo. De qualquer modo, não é um pecado mortal ou uma tarefa
impossível de ser empreendida – ver o filme e começar a ler o restante da obra
pelo volume 2, digo.
Segunda parte –
Livros 2 e 3
Explicada
a minha sensação de (meio) alívio em relação ao temor pela perda de conteúdo,
pude apreciar ao ler A Menina que
Brincava com Fogo e A Rainha do
Castelo de Ar uma das melhores obras a que tive acesso nos últimos anos – e
olha que eu leio muito, e sobre diversos temas. Ok, são voltadas para quem
gosta de thrillers de suspense
investigativo, para quem aprecia a ótica jornalística pela apuração dos fatos,
para quem se espanta com a capacidade que um número superrestrito de pessoas
possui hoje em dia para rastrear vidas alheias pela internet, para os que
adoram observar com lupa como os relacionamentos humanos são frágeis se não
forem baseados em confiança mútua, para se indignar com os abusos do poder
entre as pessoas, etc. Ou seja, uma dinâmica forte e ágil de escrita, que te
prende do início ao fim.
A
meu ver fica nítido – até pela história real de entrega dos manuscritos – que
os livros 2 e 3 foram escritos de uma tacada só, como se fossem uma única obra,
tendo uma separação em relação ao 1, a qual a própria narrativa deixa explícita.
A estória de A Menina que Brincava com
Fogo se passa cerca de pouco mais de 1 ano depois dos desdobramentos de Os Homens que Não Amavam as Mulheres:
“Um ano antes, ele [Blomkvist] vivera esse furo [caso Wennerström] com uma
satisfação colossal” (pág. 19). Já A
Rainha do Castelo de Ar inicia-se na sequência imediata da ação encerrada
ao final do volume anterior. Ou seja, se Larsson quisesse ter publicado sua
obra em dois volumes, assim o poderia ter feito. Porém, digamos que foi
inteligente da parte da editora em dividi-la em 3. Até mesmo porque o segundo e
terceiro livros já são colossais por si só – 607 e 685 páginas respectivamente
– imaginem se fossem reunidos num único tomo!
De
todo modo, devo aqui salientar que à parte a imensa quantidade de páginas, é
praticamente impossível largá-las antes do fim. Eu li os dois volumes em 1
semana cada, levando durante o final de semana para onde ia – para desespero da
minha esposa. Se vale uma crítica, diria que o final do volume 3 aparenta como
se o autor tivesse se esquecido de um pequeno detalhe, e ao lembrá-lo (ou
dar-se conta de que havia um ponto que ainda não estava bem resolvido) ele
estende a obra por um epílogo (últimas 26 páginas) que pouco acrescenta à
estória. Seriam as tais páginas “dispensáveis”. Mas sabe-se lá o que se passa
na cabeça de um escritor quando está diante de sua obra-prima – ‘Ela tem que
ser perfeita!’ / ‘Não posso deixar essas pontas soltas’ – devem ser pensamentos
angustiantes.
Vencida
esta etapa eu me encontrava na seguinte situação: iria partir para a leitura do
volume 4 com a sensação de que ali iria encontrar um esforço da editora para
chupar ao máximo o sumo de uma fruta que já se encontrava esgotada. E este medo
me assombrava... Mas já que eu havia me proposto, por que não fazê-lo? Uma
expectativa baixa pode trazer boas supresas.
Terceira parte –
Livro 4
No
meu último post tratei da obra Sr. Holmes, no qual o autor Mitch
Cullins se aventura sobre um personagem clássico, mas retirando-o do seu
ambiente usual e inserindo-o numa fase tardia da sua vida, totalmente diversa
da que foi tratada pelo autor original, Sir. Connan Doyle. Já em A Garota na Teia de Aranha a proposta
colocada pela editora, e aceita pelo autor - David Lagercrantz – era de dar
continuidade à trajetória dos personagens centrais elaborados e desenvolvidos
por Stieg Larsson, ou seja, um risco muito mais alto.
O
sentimento em geral, ao ler o livro, é de um anticlímax. Contribui para isso a
morte inesperada de Stieg Larsson ao entregar os originais dos 3 primeiros
livros para publicação. O que resta ao leitor imaginar? Será que o autor já
tinha fechado o ciclo de seus principais personagens? Ou será que ele imaginava
uma continuação?
Tenho
o palpite de que Larsson iria continuar escrevendo sobre as peripécias de
Lisbeth Salander. Duas razões básicas me levam a essa conclusão. Ele deixou
ganchos para uma continuidade do trabalho. Uma delas começou a ser tratada por
Lagercrantz – a irmã da personagem principal, Camilla Salander, aparece como
principal antagonista no 4º livro. Além disso, existe o apoio da família
Larsson pela continuidade – Erland Larsson (pai) e Joakim Larsson (irmão) são
citados nos agradecimentos ao final do livro. Claro que tal pode estar inserido
num contexto financeiro de mais exploração do legado deixado. Mas acredito que
o cuidado com as referências às estórias anteriores, e o zelo que os herdeiros
devem ter tido em todo o processo transcende somente este aspecto.
Porém,
a meu ver, houve uma escolha equivocada por parte de David Lagercrantz: o
desaparecimento da personagem Rosa Figuerola, especialista da Säpo, que havia
criado um forte laço com Mikael Blomkvist no livro 3. Havia um ótimo caminho por
aí a ser explorado. Mas aparentemente Lagercrantz preferiu um reboot do jornalista, co-protagonista da
série.
Em
resumo, o livro 4 demora a envolver o leitor, e quando o faz existe uma
aceleração na trama, que acaba ficando superficial em relação ao suspense dos 3
livros iniciais. Pode ser uma diferença de estilo, pode ser a preocupação em se
priorizar a ação ao invés da trama, pois superar Larsson seria difícil nesse
quesito (pode ser até que uma diferença de 200 páginas para menos no livro 4 tenha
tido uma influência nesse aspecto), pode ser um processo de adaptação do novo
autor a um universo alheio, podem ser diversas coisas, mas fato é que o leitor
de Larsson esperava algo sublime, e acabou por receber um livro de ação
simples, dois pontos abaixo pelo menos das obras originais. Enfim, tudo indica
que a saga continuará. Vamos ver se a experiência e o aprendizado fazem com que
ela volte ao nível esperado.
Esta trilogia é viciante! Devorei logo que saiu aqui no Brasil. Os filmes não conseguem abordar um décimo do texto e deveriam ter optado por uma série (sem fazer as adaptações de costume e que estragam as obras). Uma leitura que vale a pena.
ResponderExcluirConcordo com a Débora !
ResponderExcluirTambém comprei a trilogia assim que saiu aqui. Difícil largar os livros.
Está na minha fila para ler. Minha querida Daniele C. me presenteou!!!
ResponderExcluirLéo, concordo com você sobre a última parte do terceiro livro. Lembro que "abandonei" meu livro nessa parte e não retomei a leitura durante certo tempo. A explicação pode ser a seguinte: ele morreu antes de finalizar o livro. Na minha opinião, a mulher dele terminou. Foi ela quem mandou a trilogia para a publicação após a morte dele.
ResponderExcluirAssisti os filmes também e gostei; mas também concordei com você: os livros são superiores aos filmes.