segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Escravidão Volume III

 

Termino finalmente o périplo por essa longa jornada que nos foi apresentada por Laurentino Gomes. O autor, nesse Volume III da trilogia “Escravidão” – editora Globo Livros – 592 páginas em sua 1ª edição, publicada em 2022 – traça a reta “final” deste fenômeno histórico relatando os fatos ocorridos desde a independência do Brasil, em 1822, até a assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888. Além disso, os anos imediatamente seguintes são descritos nos últimos capítulos, de modo a que nós leitores tenhamos a exata noção do não compromisso pelo Governo Brasileiro com a inserção daquele grupo de seres humanos que se viu, de repente, sob nova condição ao olhar do outro. Tal postura contribuiu, e muito, para o estado de coisas que permanece até hoje.

 


Mas estamos aqui para fazer uma análise não sobre o tema em si, o qual o autor discorreu longamente durante tantas páginas distribuídas pelos três livros por nós abordados. Mas sim sobre o mérito e a forma de apresentação literária realizada pelo mesmo. Nas resenhas realizadas sobre os dois volumes anteriores já havíamos identificado que, tanto como riqueza como fraqueza, poderia ser entendido a exposição de um quantitativo enorme de dados. Não imaginamos que Laurentino tenha empreendido tarefa de tal envergadura para gerar livros somente para consulta, mas também para que pudessem ser objeto de leitura e reflexão.

 

Em que pese o lado da fraqueza ter sido muito por mim ressaltado quando do último post, com a resenha realizada na metade deste ano, imaginávamos que talvez algo de diferente pudéssemos ter quando da conclusão. Isso não foi de todo alcançado no Volume III. A prosa utilizada muitas vezes ainda se “perde” num grande cabedal de informações. Porém também existem momentos nos quais nos vemos enredados por temas que nos entusiasmam. Algo similar ao que dissemos sobre a exposição da história de Chica da Silva, no volume II, salvo engano.

Chamou-nos atenção, por exemplo, que o autor traçou, logo no início do Volume III, uma linha clara de transparência quanto ao seu entendimento explícito de que seu trabalho vinha a expor um genocídio, e não menos do que isso, e que os leitores, por mais românticas que fossem as palavras que se seguiriam, não deveríamos nunca nos esquecer disso. Na página 36, já na Introdução, ele se utiliza de duas definições retiradas de dicionários, um de língua inglesa – Webster’s Third New International Dictionary of the English Language – e um em português – Dicionário Escolar do Professor (Francisco da Silveira Bueno, 1963). Na primeira coloca-se o genocídio como sendo “O uso de medidas deliberadas e sistemáticas (como morte, injúria corporal e mental, impossíveis condições de vida, prevenção de nascimento), calculadas para o extermínio de um grupo racial, político ou cultural ou para destruir a língua, religião ou a cultura de um grupo”. Na segunda tal ato é categorizado como “Recusa do direito de existência a grupos humanos inteiros, pela exterminação de seus indivíduos, desintegração de suas instituições políticas, sociais, culturais, linguísticas e de seus sentimentos nacionais e religiosos”.

Dito isto, destacamos então alguns personagens por ele ressaltados como sendo símbolos de uma época. No capítulo 2 deste volume ele descortinou aquele que teria sido o Comendador Joaquim José de Sousa Breves. “Conhecido como o ‘Rei do Café’, Sousa Breves foi também o maior senhor de escravos do Brasil em todos os tempos. Suas senzalas chegaram a concentrar 6 mil homens, mulheres e crianças em regime de cativeiro. Dono de navios negreiros, envolveu-se no tráfico ilegal de africanos, desembarcados clandestinamente em praias e portos do litoral fluminense sob o olhar cúmplice das autoridades locais. (...) Em resumo, Sousa Breves caberia por inteiro na moldura de um retrato da aristocracia rural escravocrata brasileira no século XIX. Fazendeiros, senhores de engenho, pecuaristas e produtores de café, donos de latifúndio que se estendiam pelas profundezas do Brasil, foram o alicerce da monarquia brasileira. (...) Sousa Breves sintetizou essa trajetória como ninguém, mas não chegou a ver a mudança de regime. Morreu em 30 de setembro de 1889, seis semanas antes da Proclamação da República, desgostoso com o fim da escravidão e com os rumos do próprio Império, os dois pilares da brasilidade que ajudara a sustentar ao longo daquele século. Feita a Abolição, suas fazendas entraram em ruína” (págs. 62-63).

Esses trechos acima são apenas parte de um capítulo inteiro dedicado a esse personagem, algo do que sentimos falta para melhor ilustrar o impacto do que estava sendo exposto ao leitor. Tal abordagem, durante este terceiro volume, somente voltaria a ser utilizada já perto do seu final, nos últimos 4 capítulos. Naquele denominado “Maré Branca” são narradas as trajetórias dos norte-americanos, confederados do Sul dos EUA, derrotados na Guerra Civil ocorrida naquele país justamente por conta do embate com o Norte que defendia o fim da escravidão, que viriam a aportar aqui no Brasil, numa tentativa de colonizar novas terras, muitas vezes sob o beneplácito de governos locais. Desta iniciativa restaram hoje cidades como Americana e Santa Bárbara D’Oeste, no interior de São Paulo (páginas 463-478).

Já os três capítulos seguintes, não por coincidência os 3 últimos da obra, narram os momentos imediatamente anteriores à Abolição no Brasil – “Pânico” (479-490) é o título do antepenúltimo – quanto o momento em si, no penúltimo capítulo denominado “Isabel”, aí focando na figura da Princesa Isabel (491-514) e sua relação com Pedro II, seu pai, aparentemente um monarca que se submeteu aos escravocratas, apesar de ser favorável ao término da escravidão; e por último, o após o advento da Lei Áurea, “O Dia Seguinte” (515-534), com o impacto gerado sobre a estrutura vigente à época, e em como isso acabou se revertendo em benefício da classe dominante que emergiria após o surgimento da República.

Luiz Gama
Não posso me esquecer, no entanto, em que pese o que foi dito acima, de três joias apresentadas no meio do livro – são os capítulos denominados respectivamente “Os Abolicionistas”, “O Precursor” e “A Conversão” (páginas 367-418). Neles Laurentino nos dá detalhes de figuras muitas vezes esquecidas, mas deveras importantes para o término da escravidão no Brasil. Seriam eles os baianos Luiz Gama, André Rebouças e Castro Alves, do fluminense José do Patrocínio, do pernambucano Joaquim Nabuco e do paulista Antônio Bento. Especial ênfase é dada a Luiz Gama, personagem central do capítulo denominado “O Precursor”. Figura por mim desconhecida, como também o fato, citado durante esses 3 capítulos, de que o Ceará foi então a primeira província a abolir a escravidão no País. Luiz Gama é assim descrito: “(...) arauto, precursor e abridor de caminhos que levariam ao fim da escravidão (...). Morreu em 24 de agosto de 1882, seis anos antes da Lei Áurea. Foi chorado por multidões que acompanharam o cortejo fúnebre pelas ruas de São Paulo, incluindo milhares de homens e mulheres negros que, graças a ele, tinham obtido a liberdade e alcançado justiça nos tribunais” (pág. 385).

Diria então para vocês que, mesmo tendo minhas ressalvas na dinâmica proposta por Laurentino para seu trabalho, dado que os muitos dados acabam soterrando o espaço dado a figuras como as citadas acima, que por si só valeriam obras dedicadas exclusivamente aos mesmos, pelo menos a trilogia nos serve como um alerta, grandiloquente, do ponto a que o ser humano pode chegar para subjugar seu semelhante. Que nós não possamos nunca deixar isso acontecer, sabedores que somos que, infelizmente, tal praga ainda persiste em alguns lugares do mundo. Aqui no Brasil mesmo, práticas abusivas de trabalho no interior do País, podem ser classificadas dessa forma. Minha sugestão é que tenham acesso e leiam os três livros, mas como alternativa busquem ter uma leitura em paralelo para melhor dar andamento ao seu gosto pela literatura, talvez uma ficção mais leve ou algo que uma abordagem diferenciada, mais direta, que auxilie o entendimento da obra.

domingo, 14 de julho de 2024

Escravidão Volume II

Depois de um longo tempo, afetados certamente pelo volume de trabalho e pelas séries nos diversos canais de streaming, que acabam consumindo mais do meu tempo anteriormente dedicado às leituras, finalizo minha jornada no Volume II da trilogia Escravidão, de Laurentino Gomes. Publicado pela Globo Livros em 2021, contendo 512 páginas, essa segunda obra navega pela corrida do ouro em Minas Gerais, indo até a chegada de Dom João ao Brasil, em 1808.

A escrita de Laurentino é leve, e isso vem de longa data, desde suas obras anteriores às quais também foram objeto de resenha por aqui. O problema, portanto, com o acompanhamento e acesso ao que é exposto nesse 2º volume não se trata de ritmo. A questão é que os temas abordados parecem ser repetitivos, não trazendo grandes novidades entre os capítulos, voltando sempre a atenção do leitor à questão essencial do fenômeno da escravidão, que é o fato de ser horrível que a Humanidade tenha essa mancha em seu traço, algo insolúvel.

Talvez eu esteja sendo ranzinza, mas de fato esperava mais do que somente isso. Em que pese trazer em seu bojo uma grande quantidade de dados, resultado de uma pesquisa profunda e extensa sobre o tema, Laurentino não se arrisca em voos mais altos, em tentar detalhar histórias específicas que prendessem a atenção e fizessem com que o seu livro não ficasse como um mero apêndice, como algo do tipo “com o tempo livre, volto a ler”.

A luta entre os escritores e a tentação do universo multimídia, ainda mais quando se trata de um livro de não-ficção, se torna deveras ingrata para aqueles primeiros. Pois à parte a riqueza de informações, aqueles têm que buscar um fio condutor que prenda a atenção e o fôlego do leitor como se tivessem descrevendo uma boa estória de suspense ficcional. Laurentino não oferece esse aspecto. Ele apresentou mais detalhes, em seu avançar, mas não identificou um gancho que nos prenderia, fazendo com que não quiséssemos largar o livro. Apesar da prosa leve, ela acaba se tornando arrastada. Interessante observar como o próprio autor qualificou essa parte desta obra:

“(...) este livro reúne na forma de ensaios e reportagens as observações que fiz nessas viagens e também meu aprendizado pessoal depois de percorrer uma vasta bibliografia sobre o assunto nos últimos 7 anos. Ao todo, li cerca duzentos livros de autores brasileiros e estrangeiros, antigos e contemporâneos, cujas informações e análises procurei consolidar em texto jornalístico, de fácil compreensão, traduzindo desse modo a experiência acumulada ao longo de mais de 42 anos de exercício da profissão como repórter e editor de jornais e revistas. Fugi, sempre que possível, da tentação de uma narrativa linear cronológica. (...)” [pág. 27]

Um exemplo do que estamos propondo é que justamente um dos capítulos que é uma exceção a essa constatação é aquele que identifica os traços reais da trajetória da “personagem” histórica Chica da Silva. Descrita em inúmeras obras, ficcionais e não-ficcionais, sua presença nos hipnotiza. E ter um capítulo totalmente dedicado à ela foi um acerto do autor. É esse tipo de coisa que esperamos. E não um mero apanhado de estatísticas, envolto numa boa escrita, mas que acabam cansando. Resta-nos verificar se o terceiro volume ganha uma nova dinâmica. Assim espero.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

ESCRAVIDÃO - Volume 1

 

A partir desse post vamos fazer uma análise de cada um dos volumes da trilogia escrita por Laurentino Gomes que tem por tema central a escravidão e o seu impacto na sociedade brasileira atual. O título não poderia ser outro e mais direto: “Escravidão”. Para tanto, o laureado autor paranaense se predispôs a uma longa jornada, por distintos continentes, em meio a um mundo que logo em seguida enfrentaria uma pandemia. O primeiro volume teve sua edição original em 2019 e é composto por 30 capítulos centrais, distribuídos por 479 páginas. A publicação ficou a cargo da Editora Globo Livros.

Fonte: https://www.folhape.com.br/cultura/jornalista-laurentino-gomes-lanca-livro-no-recife-sobre-escravidao/120538/

Sempre muito organizado e com uma prosa envolvente, não me surpreendeu que a obra, já em seu primeiro volume, deixa o leitor preso e curioso sobre as informações pesquisadas e apresentadas. Laurentino indica que os 3 volumes estão organizados por ordem cronológica, sendo o de número 1 destinado a cobrir o período que vai desde o primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares.

Na abertura, logo nos capítulos iniciais, existe uma preocupação em tirar um véu mítico do leitor mais desavisado, apontando para as origens históricas na humanidade do fenômeno da escravidão. O próprio termo em Inglês que o designa (slavery) tem a mesma origem etimológica da palavra que denomina os povos eslavos, de pele branca. Isso demonstra que todas as raças já estiveram, em algum momento, sujeitas a serem subjugadas ao papel de escravos, normalmente fruto de guerras, antes desta vir a se tornar um vil comércio.

Obviamente tal fenômeno se tornou mais agudo com a exploração dos povos africanos, algo que ocorria algumas vezes com apoio de tribos daquele continente que, ao derrotar os seus inimigos ou ao sair em sua caça, os vendiam como mercadorias para os Europeus, ávidos por sua mão de obra para uso para os mais diversos empreendimentos, quer seja na metrópole, quer seja nas colônias. Esse equilíbrio entre o que é real – em meio a uma extensa pesquisa bibliográfica – e o que é ficção ou imaginação é construído com extremo cuidado, de modo a não tirar o peso exato de atos que conformaram o que hoje se constitui o chamado racismo estrutural presente na sociedade moderna. Fica claro, a partir de determinado ponto, que a cor da pele passou a ser fator predominante para definir entre o senhor e a propriedade, principalmente no hemisfério Ocidental.

“Os números do tráfico de escravos em território muçulmano na África são impressionantes. Cerca de 12 milhões de negros africanos foram capturados e exportados através do Saara, do Mar Vermelho e do Oceano Índico entre os séculos VII e XIX. Ou seja, o mesmo número de cativos embarcados para a América ao longo de 350 anos. Só no século XIX, o número de cativos transportados por essas rotas chegaria a 3,8 milhões. O Império Otomano sozinho comprava entre 16 mil e 18 mil homens e mulheres todos anos até o final do século XIX. A partir do século XVI, mercadores muçulmanos também venderam para a América outro milhão de cativos, capturados e embarcados nas regiões da Senegâmbia e da Alta Guiné. ‘A escravidão já era fundamental para a ordem social, econômica e política em toda região norte da África, na Etiópia e na costa do Oceano Índico por muitos séculos antes da chegada dos europeus’, afirmou o historiador Paul E. Lovejoy. ‘O cativeiro era uma atividade organizada, sancionada pela lei e pelos costumes’” (pág. 78).

O decorrer dessa trajetória abordando diferentes aspectos, tais como o acondicionamento nos navios negreiros, verdadeiros infernos flutuantes nos quais os que sobreviviam não sabiam bem ao certo que lhes aguardava nos portos de chegada. É chocante ver as gravuras que retratam o espaço exíguo no qual os escravos eram transportados, algo que ganha cores mais fortes e sombrias quando tomamos conhecimento da situação no interior de tais embarcações, de podridão extrema.

A perda de sua identidade fica clara, com o passar do tempo. Povos dominantes no continente africano, quer se entenda por dominância o ato de ser senhor de si numa vasta região ou de um conhecimento armazenado, se esvai em meio à conjunção do lugar comum pelo colonizador europeu de que todo são o mesmo elemento, sem suas características específicas. “As diferenças entre esses povos e culturas eram tão marcantes quanto a própria geografia. No auge do seu poder, no século XIV, o Mali teria sido a mais rica sociedade do planeta. Tombuctu, um dos centros difusores do conhecimento no mundo islâmico, abrigava uma universidade e uma grande biblioteca, frequentada por teólogos, filósofos, poetas e escritores. Era um lugar cosmopolita para os padrões da época. Nos seus mercados, via-se gente de todas as origens, incluindo iraquianos e egípcios. Na atual Nigéria, hábeis metalúrgicos igbos fabricavam barras e pulseiras de cobre e pequenas peças de ferro em formato de enxadas em miniatura chamadas anyu, que eram usadas em trocas comerciais nas feiras de toda a região. Em meados do século XVII, os fulani, criadores de gado na região de Futa Jallon, na Senegâmbia, exportavam cerca de 150 mil peças de couro por ano” (pág. 144).

A guerra entre diferentes nações europeias para o domínio dos mares e do tráfico negreiro também é descrita. Povos que para muitos, como os escandinavos, estariam distantes de tal realidade, também ali se encontravam buscando lucrar com o comércio de seres humanos, se estabelecendo ou lutando por portos no litoral africano. Isso sem falar no já conhecido embate entre portugueses, espanhóis e holandeses, tão presente em nossos livros de História – e algumas vezes resolvidos não somente na ponta da espada, mas também em transações comerciais entre os Governos e seus representantes. A importância de Angola como porto de origem, o avanço na coleta de dados estatísticos, e a percepção de Zumbi mais em sua importância como um mito, um símbolo no combate à escravidão do que exatamente uma figura real, que teve de fato todos os adjetivos com os quais ele é conhecido até mesmo em fontes que deveriam ser fidedignas, mas que demonstram ter embarcado em textos sem o menor fundamento em pesquisas sérias, também estão presentes nesse mosaico de diferentes visões sobre esse tema.

Outro fator que não é deixado de lado é o papel da Igreja Católica naquela época. “Alguém hoje poderia sugerir que apontar a Igreja como cúmplice do regime escravista no passado seira incorrer em ‘anacronismo’, (...), que consiste no uso indevido de valores e referências de uma época para julgar ou avaliar personagens e acontecimentos ou fenômenos de outra. De fato, entre os séculos XV e XVIII, a escravidão era uma prática aceita sem grandes questionamentos quase no mundo todo – menos entre os próprios cativos, obviamente. (...) O problema, no caso da Igreja, é que havia uma contradição insolúvel entre suas práticas e os ensinamentos de Jesus Cristo que ela pregava – ou seja, a própria razão de sua existência. Como combinar uma prática tão devastadora, como a escravidão, e os ensinamentos dos Evangelhos, que pregam amor, bondade, justiça, misericórdia e acolhimento do estrangeiro e do diferente?” (págs. 338-339).

Enfim, o leitor fica ansioso por acompanhar a continuidade desse descortinar de elementos, ao mesmo tempo que busca se preparar espiritualmente para absorver os horrores de algo abominável. Que venha o Volume 2!

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

O Retiro

Uma das práticas mais comuns no meio editorial é encher as contracapas dos livros lançados com frases favoráveis e impactantes advindas dos críticos literários, de modo a asseverar que uma determinada obra obteve a chancela daqueles especialistas. Uma coisa feita com comedimento, mas sendo bem conduzida, pode levar a um efeito positivo de fisgar o leitor indeciso pela compra ao final.

No livro O Retiro (2023 – 399 páginas), de Sarah Pearse, escritora britânica que teve seu primeiro thriller de sucesso na obra chamada O Sanatório (2022), publicada aqui no Brasil igualmente pela Editora Intrínseca, esse artifício foi utilizado. Porém, um detalhe me chamou atenção numa das três citações expostas, mais especificamente aquela extraída do tablóide Sunday Times: “(...) Sarah Pearse faz uma releitura do modelo de Agatha Christie, dando à sua ilha uma referência gótica, com cavernas e boatos sobre uma maldição, mas também um ar de século XXI”.



Colocar uma jovem autora em comparação direta com a Dama do Crime é algo arriscado. Eu li em toda minha vida metade da obra de Agatha Christie (de um total de cerca de 80 livros) e posso dizer que: (1) o nível de mistério proporcionado por Pearse não se aproxima do grau de indefinição que Christie deixa no leitor do início ao fim de suas obras; e (2) me parece estranho afirmar que a lenda britânica dos livros de mistério tivesse “referências góticas”, usando de cavernas, boatos e maldições como ferramentas usuais em suas obras. Nunca percebi isso.


Ao contrário do que foi apontado, Sarah Pearse apresenta uma trajetória linear na construção de sua ficção, não restando dúvidas sobre quem seriam os mocinhos e bandidos de sua estória em O Retiro. A trama gira em torno de dois eixos: um grupo de amigos e parentes decide se reunir num hotel localizado numa ilha ao largo do litoral, local este que foi remodelado para ser relançado como destino turístico depois de ter servido como sede de uma escola na qual adolescentes foram assassinados no passado. O outro são as inseguranças da investigadora Elin Warner, que vem de uma licença por afastamento dado o peso psicológico que carregou a partir de uma investigação complicada de um serial killer.

Para um leitor habituado a tais tipos de obras literárias, fica claro desde o início que o cerne da questão está no grupo de amigos, que de repente se vê envolto em uma nova série de assassinatos enquanto estão no retiro. Não há muito como escapar dessa lógica. Ou seja, a surpresa com o desenrolar da estória é praticamente nenhuma. Ficamos à espera do desenlace, para definir qual deles é o grande vilão.

Para não dizer que a estória é de toda óbvia, existe uma trama paralela que fica escondida sobre as camadas principais, à qual ninguém dá muita atenção. E esta fica restrita a gerar impacto somente nos dois últimos capítulos, aí incluído o epílogo. Ou seja, quando numa das afirmações na orelha do livro é colocado que a estória é cheia de reviravoltas, essa não é a verdade.

A pergunta imediata, diante destes meus comentários é: vale a pena comprar o livro? Eu diria que já vi estórias mais complexas, com enredos mais complicados e de solução rebuscada, que surpreende continuamente, tanto durante a jornada quanto em seu final. Ao se ter o livro de Pearse em mãos, você o lerá até o final até pela curiosidade de saber quem é o principal culpado e sua motivação (aliás, uma análise à parte – achei o motivo fraco). Mas é o tipo de obra que não vale o investimento. É como uma novela das 18h. Prende, mas a gente sabe desde o início como será e quem será o quê naquele universo.

OS.: não li a primeira obra da autora aqui citada, como disse antes, denominada O Sanatório. Mas tudo leva a crer que ela tende a criar um padrão, colocando os locais onde se desenrolam as estórias como uma espécie de personagens centrais para o entendimento da lógica desenvolvi

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Como as Democracias Morrem

 

A mim não cabe dúvida de que nossas vidas são compostas de eternos aprendizados. Quer sejam vivenciados diretamente, com circunstâncias e fatos que nos tocam e aos nossos próximos – amigos, parentes – quer seja por ocorrências que nos circundam como sociedade, em nossa cidade, Estado, País e até mesmo mundo afora. É inegável, por exemplo, de que o embate entre Rússia e Ucrânia nos faz rever conceitos e reviver pesadelos dos quais a humanidade às vezes se esquece que estão próximos. Assim como a morte de um vizinho nos traz à mente o quanto finito somos.



A obra assinada por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, professores de Ciência Política da Universidade de Harvard, traz à baila o impacto da emergência de Donald Trump para além do personagem empresarial, quando ele foi alçado ao posto de novidade política nos Estados Unidos. Mais do que isso, no texto do livro denominado “Como as Democracias Morrem”, publicado no Brasil pela Editora Zahar (a edição por mim lida data de 2018), em suas 270 páginas, tenta deslindar o que tal fenômeno tinha como significado para o mundo que girava a sua volta.

Steven Levitsky e Daniel Ziblatt

Nos últimos tempos, volta e meia temos sido abalroados com notícias das mais variadas fontes – não me reporto às chamadas fake news, mas sim aquelas comprovadamente de fontes sérias – que trazem dúvidas sobre qual o melhor modelo a ser adotado em termos de governabilidade em sociedade. “Se a mídia se sente ameaçada, pode abandonar o comedimento e padrões profissionais, num esforço desesperado para enfraquecer o governo” (pág. 79). De todo modo, Winston Churchill (1874-1965) já dizia: “A democracia é o pior sistema de governo desenhado pelo homem. À exceção de todos os demais”. Desta forma, sigo na mesma linha e acredito que com relação a isto não cabe dúvida. “Nem mesmo constituições bem-projetadas são capazes, por si mesmas, de garantir a democracia. Primeiro porque constituições são sempre incompletas. Como qualquer conjunto de regras, elas têm inúmeras lacunas e ambiguidades. Nenhum manual de operação, não importa quão detalhado, é capaz de antecipar todas as contingências possíveis ou prescrever como se comportar sob todas as circunstâncias” (págs. 100-101).

Porém, os distintos modelos de aplicabilidade da democracia perduraram por anos a fio em diferentes sociedades, muitas vezes suportados por teses que pleiteavam o alijamento de determinados grupos das tomadas de decisão. Se formos longe, a democracia grega era um exemplo notório, sendo regida e estando à disposição apenas àqueles que eram considerados cidadãos – nobres em sua maioria. Em “Como as Democracias Morrem” os autores por sua vez buscam exemplos no próprio Estados Unidos, país que simbolicamente representaria o conceito in natura de democracia ocidental – à parte o sistema eleitoral atual ainda ser discutível, que no decorrer de sua história federalista teve inúmeros atos segregacionistas que dificultaram enormemente a participação de grande parcela da população nos sufrágios, quer sejam estaduais ou nacionais. “Enquanto a comunidade política estava amplamente restrita a brancos, democratas e republicanos tinham muito em comum. (...) O processo de inclusão racial que se iniciou após a Segunda Guerra Mundial e culminou com a Lei de Direitos Civis de 1964 e a Lei do Direito de Voto de 1965 iria, enfim, democratizar plenamente a nação” (pág. 140).

Tendo isso em mente, os autores identificam exemplos em outros países que demonstram o quanto o modelo democrático pode ser fragilizado se não estiver pautado, em sua maioria, por regras não escritas que preservam o equilíbrio e deixam de fora do processo de possível escolha pela população de candidatos considerados outsiders. Tal fato se daria, no caso norte-americano, do qual eles possuem maior proximidade, com um sistema que eles chamam de freios e contrapesos. Determinados parâmetros tácitos eram respeitados por ambos os partidos majoritários, evitando o surgimento de forças contrárias ao respeito e à ordem, evitando o esgarçamento das relações.

“As duas regras informais decisivas para o funcionamento de uma democracia seriam a tolerância mútua e a reserva institucional. Tolerância mútua é reconhecer que os rivais, caso joguem pelas regras institucionais, têm o mesmo direito de existir, competir pelo poder e governar. A reserva institucional significa evitar ações que, embora respeitem a letra da lei, violam claramente seu espírito. Portanto, para além do texto da Constituição, uma democracia necessitaria de líderes que conheçam e respeitem as regras informais” (pág. 10).

Donald Trump acabou sendo, portanto, na visão deles, o ápice de um processo de contínua desconfiança mútua entre aqueles que eram até então somente adversários políticos, mas que se respeitavam e buscavam, passada a contenda eleitoral, encontrar caminhos para que suas teses não somente não fossem deixadas de lado numa administração contrária, mas como também tinham a esperança e trabalhavam para que elas fossem abraçadas e enxergadas como algo benéfico para a população em geral, apesar de virem do outro lado da trincheira. E esse termo aqui não é em vão...

Trincheiras foram construídas, num processo identificado no livro, a partir de uma cisão que ocorreu de forma paulatina, sorrateira, e que desembocou num governo, na maior economia capitalista do mundo, que levou a muitos duvidarem do que estavam vendo. A tolerância com os que pensavam de maneira diversa foi deixada de lado. Eles passaram a ser tratados como inimigos. Se este fenômeno é isolado – não parece ser, pelos inúmeros exemplos identificados na obra, que ocorreram e ainda ocorrem em outras partes do mundo – pelo menos no caso norte-americano, somente o futuro dirá. Mas os fatos estão aí. E podem servir de aprendizado. Para quem quiser e estiver disposto a ler ou ouvir, a depender do meio que utilizam.

E qual seria o resultado da morte do modelo democrático, caso a sociedade se torne surda aos sinais? Seria um governo autoritário. Para isso os Levitsky e Ziblatt, baseados em grande medida na obra do alemão Juan Linz (The Breakdown of Democratic Regimes – 1978) identificam quais parâmetros deveriam servir de norte para que os eleitores que acompanham o debate político em seus países. “Nós devemos nos preocupar quando políticos: 1) rejeitam, em palavras ou ações, as regras democráticas do jogo; 2) negam a legitimidade de seus oponentes; 3) toleram e encorajam a violência; e 4) dão indicações de disposição para restringir liberdades civis de oponentes, inclusive a mídia” (pág. 32).

Desta forma, o que observamos como um fato corriqueiro, ou quando estamos inseridos num contexto em que nos acostumamos com o que de mais estapafúrdio o ser humano pode gerar, nos vemos cegos a sinais óbvios. Passa a ser necessário um exercício constante, de cada um de nós, a nos questionar se o que está sendo passado é de fato verdadeiro ou é uma mera interpretação dos fatos. Estamos dispostos isso? Dá trabalho, mas o resultado e o bem-estar de nossa comunidade, onde quer que estejamos, depende diretamente disso. Se isto é importante numa eleição de condomínio, o que dirá quando da escolha de quem irá governar um país? “Nenhum líder político isoladamente pode acabar com a democracia; nenhum líder sozinho pode resgatar uma democracia, tampouco. A democracia é um empreendimento compartilhado. Seu destino depende de nós” (pág. 217).

terça-feira, 1 de agosto de 2023

Quando Deixamos de Entender o Mundo

 

É muito difícil distinguir entre um homem de gênio e um louco.

Honoré de Balzac


Ao ter acesso ao livro “Quando Deixamos de Entender o Mundo”, de Benjamín Labatut, holandês que vive no Chile desde os seus 14 anos, confesso que não sabia muito do que esperar. Estava curioso para ver em quais teias me enredava naquele relato, misto de não-ficção e ficção, que traça uma trajetória entre grandes gênios da humanidade, que com sua habilidade para ciências exatas, buscaram entender a essência do que se é do que se pode ser em termos de universo. No meio desse caminho, muitos deles se perderam, imersos em suas loucuras, sendo incapazes de decifrar os segredos prescrutados, gerando uma ânsia e um medo pelo inalcançado.

 

A obra e seu autor.

A editora Todavia, que publicou a edição de 174 páginas a qual tive acesso, sendo a edição original de 2019, apresenta a obra cujo título em espanhol é “Un Verdor Terrible” – o que numa tradução direta significaria Uma Vegetação Terrível – o que nos remete à imagem da dificuldade do ser humano em enxergar a floresta, o todo – como sendo uma ferramenta que nos faz “contemplar ao mesmo tempo a força fascinante e as contradições sombrias do gênio humano, iluminando as teias causais que retroalimentam a intimidade e a história, a ciência e a imaginação”.

 

OBS.: na verdade o “verdor terrível” faz parte de uma citação ao final do primeiro capítulo, sob a ótica da vingança da natureza ao ver a humanidade diminuída a um número insuficiente de seres para sua consumação e a retomar seu espaço, “espalhando-se sobre a face da terra até cobri-la completamente, afogando todas as formas de vida sob um verdor terrível”, tal qual um filme de M. Night Shyamalan.

 

O livro em si pauta sua narrativa alucinante, dividida em 5 capítulos – Azul da Prússia / A Singularidade de Schwarzschild / O Coração do Coração / Quando Deixamos de Entender o Mundo / Epílogo: o Jardineiro Noturno – criando links numa cadeia de causa e consequência entre os pensamentos de cientistas considerados sumidades, cada um a seu tempo e com sua obra. Nenhum deles, uma vez citado, escapa de ter sua vida escrutinada, esmiuçada, desde a origem de suas maiores angústias até alcançarem os píncaros de seus pensamentos e raciocínios abstratos.

 

Por mais louco e estranho que possam parecer, para os curiosos de plantão parece que esses links geram uma sede, uma curiosidade, de saber até onde esses gênios de plantão irão chegar para fazer valer suas teorias. Ou se estas os consumirão até o fim de suas existências. Assim sendo, cada um deles merece seu devido destaque, algo muito difícil de se alcançar por um autor, que é o exercício do devido equilíbrio entre os diferentes personagens, sendo eles fictícios ou não.

 

Em Azul da Prússia, por exemplo, o autor inicia demonstrando a importância de um produto químico que viria a se transformar num veneno mortal, para desgosto do seu criador, que buscava, a princípio, apenas uma tonalidade diferenciada de cor ou a geração de nitrogênio artificial de modo facilitar a produção de alimentos, mas que foi cooptado pelo complexo industrial nazista como arma de guerra. Fritz Haber teve assim sua trajetória narrada nas primeiras páginas deste livro, indo do sucesso ao fracasso no seu íntimo, no âmago do seu ser.

 

Nos capítulos seguintes temos enredos rocambolescos, de glória e decepção, envolvendo figuras como Albert Einstein, Karl Schwarzschild, Shinichi Mochizuki, Alexander Grothendieck, Werner Heisenberg, Erwin Schrödinger e Niels Bohr. Cada um desses grandes cientistas imersos em disputas, algumas vezes intelectuais, outras vezes movidas pela mesquinhez na luta por seu espaço na História, mas quase todos eles – talvez o mais são seja justamente aquele que nos legou a icônica imagem da língua para fora (Einstein) – enveredando pela loucura final em suas vidas, ou ainda uma dedicação que resultou num fim por vezes prosaico, sem o mesmo fulgor de quando estavam no auge de sua influência acadêmica, quando não no ostracismo total de uma vivência singular, perdidos em meios aos seus pensamentos.

 

Enfim, o livro prende do início ao fim, mais pela curiosidade mórbida do ser humano sobre a que tudo aquilo irá levar do que pela sua prosa nada leve. É como ler um obituário repleto de loucos e gênios, como se a perversidade que nos cabe em ver a decadência do outro nos deliciasse e ao mesmo tempo nos compadecesse do potencial perdido em cada um de nós. Vale a pena, pois quem de nós em algum momento não deixou de entender o mundo em sua completude?

 

Fritz Haber foi um químico alemão laureado com o Nobel de Química de 1918 pela descoberta da síntese do amoníaco, importante para fertilizantes e explosivos. A produção de alimentos para metade da população atual depende deste método para a produção de fertilizantes. Haber também teve uma contribuição valiosa para a Alemanha durante a Primeira Guerra Mundial, através de seus estudos sobre a aplicação da amônia para produzir a pólvora foi possível reduzir os custos de produção e aumentar a eficiência dos explosivos.

Albert Einstein foi um físico teórico alemão que desenvolveu a teoria da relatividade geral, um dos pilares da física moderna ao lado da mecânica quântica. Ele nasceu em 14 de março de 1879 em Ulm, Reino de Württemberg, Império Alemão e faleceu em 18 de abril de 1955 em Princeton, New Jersey, Estados Unidos. Einstein é mais conhecido por sua fórmula de equivalência massa-energia, E = mc² — que foi chamada de “a equação mais famosa do mundo” — e foi laureado com o Prêmio Nobel de Física de 1921 “por suas contribuições à física teórica” e, especialmente, por sua descoberta da lei do efeito fotoelétrico.

Karl Schwarzschild foi um físico e astrônomo alemão que forneceu a primeira solução exata para as equações de campo de Einstein da relatividade geral, para o caso limitado de uma única massa esférica não rotativa. Ele conseguiu isso em 1915, o mesmo ano em que Einstein introduziu a relatividade geral. A solução de Schwarzschild, que faz uso das coordenadas de Schwarzschild e da métrica de Schwarzschild, leva a uma derivação do raio de Schwarzschild, que é o tamanho do horizonte de eventos de um buraco negro não rotativo. Schwarzschild morreu no ano seguinte da doença autoimune pênfigo, que ele desenvolveu enquanto estava na frente russa.

Shinichi Mochizuki é um matemático japonês especializado em teoria dos números e geometria algébrica. Ele é um dos principais contribuintes para a geometria anabeliana e suas contribuições incluem sua solução da conjectura de Grothendieck na geometria anabeliana sobre curvas hiperbólicas sobre campos numéricos. Mochizuki também trabalhou na teoria de Hodge-Arakelov e na teoria de Teichmüller p-ádica. Ele desenvolveu a teoria inter-universal de Teichmüller, que atraiu a atenção de não-matemáticos devido às reivindicações de que ela fornece uma resolução da conjectura abc.

Alexander Grothendieck foi um matemático nascido na Alemanha e naturalizado francês em 1971. Ele foi o fundador de uma escola própria sobre geometria algébrica, cujo desenvolvimento influenciou profundamente na década de 1960. Em 1966, Grothendieck recebeu a Medalha Fields, que recusou. Ele foi célebre por suas firmes posições pacifistas e ecologistas. Grothendieck morreu em 13 de novembro de 2014.

Werner Heisenberg foi um físico teórico alemão que recebeu o Nobel de Física de 1932 pela criação da mecânica quântica. Ele estabeleceu as bases da formulação matricial da mecânica quântica em 1925. Em 1927, publicou o artigo Über den anschaulichen Inhalt der quantentheoretischen Kinematik und Mechanik, em que apresenta o Princípio da incerteza. Heisenberg também fez importantes contribuições teóricas nos campos da hidrodinâmica de escoamentos turbulentos, no estudo do núcleo atômico, do ferromagnetismo, dos raios cósmicos e das partículas subatômicas. Ele teve ainda uma contribuição fundamental no planejamento do primeiro reator nuclear alemão em Karlsruhe e de um reator de pesquisa em Munique, em 1957.

Erwin Schrödinger foi um físico teórico austríaco que recebeu o Nobel de Física de 1933 pela criação da mecânica quântica, especialmente a equação de Schrödinger. Ele também fez importantes contribuições teóricas nos campos da hidrodinâmica de escoamentos turbulentos, no estudo do núcleo atômico, do ferromagnetismo, dos raios cósmicos e das partículas subatômicas.

Niels Bohr foi um físico teórico dinamarquês que fez contribuições fundamentais para a compreensão da estrutura atômica e da mecânica quântica, pela qual recebeu o Prêmio Nobel de Física em 1922. Ele propôs um modelo atômico que leva seu nome e é capaz de explicar fenômenos como o efeito fotoelétrico.

Obs.: As informações sobre cada um dos cientistas acima foram obtidas com auxílio da ferramenta de IA do Bing/Microsoft.

segunda-feira, 17 de julho de 2023

Torto Arado

 

O papel de quem analisa um texto muitas vezes é ingrato. Ingrato no sentido de que, por questões de gosto, acaba sendo enviesado e não necessariamente imparcial. Por melhor que seja a obra, esta poderá sofrer críticas, pois ao olhar de um ou de outro ela pode não se adequar a uma preferência de estilo.

 

Fonte: https://www.brasildefatopb.com.br/2021/11/12/torto-arado-o-limiar-entre-a-ficcao-e-a-realidade

Torto Arado, obra premiada de Itamar Vieira Júnior, ganhadora que foi dos prêmios Leya 2018, Oceanos e Jabuti, chegou a mim credenciada para ser um grande prazer, em que pese a dura mensagem passada. Editada pela Todavia em 2018, esta obra, classificada como romance da literatura brasileira, traça em suas 262 páginas a trajetória da dura vida da família das duas irmãs Bibiana e Belonísia, egressas de uma comunidade quilombola. 

Marcadas por uma tragédia logo em seu princípio, aquilo que parecia ser algo a pesar em sua educação, acabou não esmorecendo a nenhuma das protagonistas em buscar seus objetivos. Mas cada uma delas trilhou um caminho diferenciado, se colocando a serviço de uma causa por reconhecimento da validade de uma luta tão comum àqueles que têm em sua história as mazelas de uma vida de dificuldades. 

O livro se divide em 3 partes, sendo cada uma delas narrada por um personagem. As duas primeiras são divididas entre as duas irmãs, sendo a primeira – Fio de Corte – por Bibiana, a segunda, que dá nome ao livro (Torto Arado) por Belonísia; e a terceira e última, Rio de Sangue, por uma entidade. A prosa de Itamar Vieira Júnior, sem diálogos, direta, contínua, narra a estória com uma fluidez, em seções curtas, que prendem o leitor, principalmente nas duas primeiras partes. Uma obra que seria digna, no popular, de ser adaptada para uma novela das 18h, na Globo. 

Porém, e aí chegamos à questão de gosto, creio que na última parte, entre flashbacks necessários para um melhor entendimento da estória em sua totalidade, parte para o que alguns classificam como realismo fantástico, dando a impressão de uma escolha a ser facilitada para o encerramento do que estava sendo descrito. Óbvio que as religiões afro são bem representadas, dada a raiz utilizada como linha central a ser traçada. Mas isso seria a melhor alternativa para dar o desfecho final ao enredo? Uma solução é sugerida, veladamente, para uma encruzilhada que se apresentava perante a família central da trama. 

De todo modo, acredito também que determinados textos transcendem a uma bem querência de gosto estilístico. Torto Arado se presta a dar voz a uma parcela da população que vinha, a algumas centenas de anos, tendo suas tradições deixadas de lado em prol de um progresso de uma minoria. Pode até ser a semente de um melhor entendimento por parte daqueles que não tiveram a oportunidade travar conhecimento com o ambiente do outro, este sendo entendido como alheio ao mainstream. 

Ela te tira assim, enquanto leitor, da zona de conforto, em que pese ser ao mesmo tempo atrativa. Não há como retirar da mesma a qualidade de fazer com que você fique curioso com o final, mesmo que esse não seja exatamente aquele que almejamos. Minha sensação, enfim, é de que o livro podia mais, mas não posso negar que ele entrega o que promete desde a primeira página, o que eu considero um grande mérito.

 

sábado, 8 de julho de 2023

Ruído, uma falha no julgamento humano

 

Meu interesse por esta nova obra de Daniel Kahneman, mesmo autor de Rápido e Devagar, foi despertada pelo impacto gerado justamente por esse primeiro trabalho citado. Desta feita, juntamente com os pesquisadores Olivier Sibony e Cass R. Sunstein, o professor de psicologia, agora com o auxílio de seus colegas das cadeiras de estratégia e política empresarial e de direito de constitucional respectivamente, aprofunda o debate sobre os métodos de tomada de decisão avaliando como o viés e o ruído a eles associado pode colaborar para um mau direcionamento de uma tarefa, projeto, atividade, o que seja.

 

Fonte: https://www.3gen.com.br/resenha-noise-a-flaw-in-human-judgment/

O livro, editado pela Objetiva em 2021, contém 426 páginas, sendo que a partir da página de número 367 são apresentados três apêndices para expor uma metodologia de análise de ruído, além dos agradecimentos de praxe, notas e índice remissivo. Os apêndices trazem um aspecto o qual me incomoda muitíssimo, que é a percepção de que o livro foi concebido com o objetivo não de ter somente um melhor detalhamento ou uma abordagem diferenciada da teoria apresentada no trabalho anterior, mas sim uma maneira de se obter um ganho financeiro extra – ora, afinal eles apresentam uma metodologia de análise de ruído, para ser aplicada como uma consultoria! E as notas, deixadas para o final, são objeto de crítica de minha parte, já que adoro ler observações no decorrer do texto – para os mais ansiosos, fica o trabalho de ter que ficar acessando o final da obra sempre que encontram uma nota de rodapé, o que, a meu ver, é cansativo para o leitor. 

Ou seja, todos os leitores que o Kahneman ganhou anteriormente são brindados com algo como se fosse uma compensação pelo esforço anterior. Mas, ao contrário, entendo que acaba mais decepcionando do que agradando seus fãs. Talvez isso possa ter sido por pressão da editora, para o lançamento de um novo best seller, ou a avidez dos demais autores – que podem ter influenciado tal jornada mais “comercial” – mas fato é que o livro é apresentado como sendo resultado de uma “extensa pesquisa”, na qual “examinam a diferença entre viés e ruído tanto nas organizações públicas quanto nas privadas”. E mais, “investigam a psicologia humana com o intuito de oferecer soluções práticas para aperfeiçoar nossa capacidade de percebê-los, prevenindo erros na vida pessoal e profissional”. Desta forma, nunca saberemos o que de fato levou a esse resultado, mais pobre, a meu ver. 

Em relação a narrativa e a qualidade do texto, ao contrário do livro anterior – é inescapável que façamos uma comparação – que prende o leitor do início ao fim, este se perde depois do primeiro terço, pois o leitor esbarra na necessidade dos autores em exemplificar, com uma análise estatística, como chegaram às conclusões alcançadas, o que torna o trabalho mais árido para quem busca algo mais leve. Existem momentos de maior riqueza, porém, como se um raio de luz invadisse uma sala, na qual eles conseguem fazer paralelismos com relatos de experiências havidas ou situações, algumas ficcionais outras reais, para bem explicar o que estavam buscando teorizar. Nesses momentos, leitores de primeira hora encontram algo mais fluido, que auxilia na compreensão do todo. Porém, infelizmente, são muito menos constantes do que gostaríamos. 

Desta forma, seu fosse chegar a um veredicto sobre a validade ou não da aquisição e leitura de tal obra, minha análise seria negativa. Sempre que chego a um ponto como esse me entristece um pouco, dada minha paixão pela leitura, mas minha obrigação para com vocês é ser sincero. Caso estejam procurando algo acadêmico, na área de estatística, que combine com análise psicológica, administrativa e legal, pode ser que se sintam atraídos. Mas, volto a dizer, “Ruído” foi para mim, uma espécie de cilada. Esperava algo que não se consubstanciou, o que transformou a jornada em uma grande via Crúcis. Deixarei abaixo alguns trechos, na esperança de que despertem algo de atrativo para vocês. 

Claro que uma batalha contra o ruído não é a única consideração para os tomadores de decisão e as organizações. Reduzir o ruído costuma sair caro: uma escola poderia eliminar o ruído nas notas dos alunos se cinco professores lessem todos os trabalhos, mas um ônus desses dificilmente é justificável. Na prática, pouco ruído talvez seja inevitável, o efeito colateral necessário de um sistema mais justo de apuração que leva em conta os casos individualizados, não trata as pessoas como engrenagens numa máquina e confere ao tomador de decisão a sensação de liberdade de ação. Um pouco de ruído pode ser até desejável, se a variação produzida capacita o sistema a se adaptar com o tempo – como em situações em que a mudança dos valores morais desencadeia um debate que leva a mudanças na práxis ou na lei” (pág. 362); 

Quando médicos oferecem diferentes diagnósticos para um mesmo paciente, podemos estudar a discordância sem saber de que mal ele foi acometido. Quando executivos de um estúdio estimam o mercado para um filme, podemos examinar a variabilidade de suas respostas sem saber quanto o filme rendeu no final ou mesmo se foi de fato produzido. Não precisamos saber quem está com a razão para medir o grau de variabilidade dos julgamentos em um mesmo caso” (pág. 11); e 

(...) se você afirma compreender um conceito matemático ou compreender o que é o amor, não está sugerindo que é capaz de fazer previsões específicas. Entretanto, no discurso das ciências sociais, e na maioria das conversas do dia a dia, alegar compreender uma coisa é alegar compreender o que a causa. (...) Médicos que compreendem o mal de um paciente alegam que a patologia que diagnosticaram é a causa dos sintomas que observaram. Compreender é descrever uma cadeia causal. A capacidade de fazer uma previsão é uma forma de medir se tais cadeias causais foram identificadas. E a correlação, ou a medida da precisão preditiva, é uma medida de quanta causação podemos explicar” (pág. 150)

sábado, 18 de março de 2023

2041

 

Prezados, depois de uma longa pausa eis que o Proximideas retorna. E meio que validando essa passagem do tempo a primeira obra desta nova fase do blog a ser resenhada é “2041 – Como a Inteligência Artificial Vai Mudar sua Vida nas Próximas Décadas”. Os autores são os chineses Kai-Fu Lee e Chen Qiufan. A editora é a Globo Livros, tendo o livro 479 páginas.

 


Ao comprá-lo confesso que o que mais me chamou atenção foi o subtítulo, em especial pelo fato dele mencionar a Inteligência Artificial (IA). Tal tema vem num crescente nos círculos que frequento, dado o seu impacto em todos os aspectos da vida humana, quer seja profissional, quer sejam privada. E o meu não domínio do tema me instigou a tentar aprofundar de alguma forma nessa leitura.

 Isso se tornou mais interessante pela jornada proposta pelos 2 autores. Eles se dividiram, ficando Chen Qiufan responsável pela escrita de contos fictícios os quais são pautados pelas tecnologias baseadas em IA e suas aplicações no dia a dia das sociedades em que estão inseridos; e Kai-Fu Lee responsável pela análise científica e sociológica do que havia sido apresentado como ficção no texto anterior.

 

Kai-Fu Lee

Alguns dos contos – principalmente os localizados na segunda metade, de um total de 10 – mereciam obras maiores, com uma continuidade para verdadeiros romances. Parece ao leitor que, quando da edição, os dois autores escolheram os primeiros temas como um aquecimento, havendo um aprofundamento e um maior rebuscamento nas estórias com o passar do livro.

Como exemplo posso citar o quinto conto, cujo título é “Meu Ídolo Assombrado” (193-236). Nele, nas palavras de Kai-Fu, se “(...) apresenta o futuro do entretenimento, no qual os jogos se tornam imersivos e as fronteiras entre o real e o virtual ficam difusas. A história se passa em Tóquio e descreve como uma fã investiga a morte de seu ídolo com a ajuda de seu ‘fantasma’, que foi trazido à vida pela IA e pela realidade virtual”.

 

Chen Qiufan

Um aspecto interessante a se ressaltar, aproveitando a apresentação deste que considero conto que dá a verdadeira guinada no livro em termos de qualidade, acelerando o interesse de quem já está em meio a obra, é que os autores fazem questão de ambientar as narrativas em diferentes países, não se atendo à zona de conforto que seria para eles em colocar todas as situações na sua terra natal, China. Com isso temos estórias no Oriente e no Ocidente, em países desenvolvidos e em desenvolvimento, no Hemisfério Norte e no Hemisfério Sul – já que pela filosofia apresentada por eles, a IA estará, em 2041, disseminada pelo mundo inteiro, não que isso não seja em maior ou menor grau  de acordo com o poderio econômico. Mas esse tipo de debate não surge nos contos. E em pouca medida até na parte não-ficcional, de análise científica e sociológica, dado que este último aspecto está mais devotado ao impacto da tecnologia em si sobre a vida do cidadão, do que se ele terá efetivamente acesso ou não a ela.

 Voltando ao ponto anterior, em “Meu Ídolo Assombrado”, Chen Qiufan pega o leitor de surpresa, tal a maneira como ele imerge na estória e é surpreendido com o seu final, como se o mundo virtual tivesse realmente assumido o controle do leitor. A partir daí, como eu disse anteriormente, os contos vão melhorando em qualidade, deixando um gostinho de quero mais. Mas o ano de 2041, período em que as estórias ocorrem, é logo ali. Será que estamos preparados para o que vem por aí? Ler este livro poderá nos dar uma breve e instigante ideia.

 Títulos dos contos 

1.   O Elefante Dourado – temas abordados: aprendizado profundo, big data, aplicativos de internet/finanças, externalidades de IA;

2.      Os Deuses por Trás das Máscaras – visão computacional, redes neurais convolucionais, deepfakes, redes adversárias generativas (GANs), biometria, segurança de IA;

3.      Dois Pardais – processamento de linguagem natural, treinamento autossupervisionado, GPT-3, AGI e consciência, educação com IA;

4.      Amor Sem Contato – IA de saúde, AlphaFold, usos de robótica, aceleração da automação pela covid;

5.      Meu Ídolo Assombrado – realidade virtual (VR), realidade aumentada (AR) e realidade mista (MR), interface cérebro-computador (BCI), questões éticas e sociais;

6.      O Motorista Abençoado – veículos autônomos, autonomia completa e cidades inteligentes, questões éticas e sociais;

7.      Genocídio Quântico – computação quântica, segurança de bitcoin, armas autônomas e ameaça à existência;

8.      O Salvador de Empregos – substituição de postos de trabalho por IA, renda básica universal (RBU), o que a IA não consegue fazer, os 3Rs como uma solução para as substituições;

9.      A Ilha da Felicidade – IA e felicidade, Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), dados pessoais, privacidade em computação com uso de aprendizado federado e ambiente de execução confiável (TEE); e

10.  Sonhando com a Plenitude – plenitude, novos modelos econômicos, o futuro do dinheiro, singularidade.

domingo, 17 de fevereiro de 2019

#MadalenaSemFiltro


Fechando este tour pelas obras de Rodrigo Alvarez às quais tivemos acesso recentemente analisaremos hoje seu primeiro livro de ficção, em que pese ainda estar vinculado a figuras históricas da Igreja Católica. Chama-se #MadalenaSemFiltro – Editora LeYa, Rio de Janeiro – 2018 – 160 págs. Obra centrada na figura de Santa Maria Madalena, aquela que acompanhou Cristo desde que se juntou ao seu grupo até os últimos momentos, já na cruz. E ainda tendo o privilégio de ser a primeira a tê-lo visto ressuscitado.

Fonte: Twitter
O autor se propõe a buscar um testemunho da própria santa sobre sua trajetória. O sub-título aponta diretamente para isso – Memórias Póstumas da Apóstola de Jesus. Ainda é acrescentada na capa uma explicação didática – Uma narrativa baseada em fatos e documentos históricos. Para quem leu os posts anteriores sabe que um dos méritos de Alvarez é que, por sua formação jornalística, ser um profissional que busca basear suas afirmações em fontes. E em não tendo segurança, dá o benefício da dúvida e o expõe.

Sendo #MadalenaSemFiltro uma obra ficcional, isto fica mais velado ou escondido. E em alguns momentos até mesmo não percebido. Isto porque o autor prefere centrar forças em digressões a respeito do inconformismo da personagem central com relação à imagem que teria sido passada pelos evangelistas (e outros autores posteriormente) a seu respeito, como uma prostituta e aquela que se beneficiou, de uma certa forma, de uma proximidade com Cristo “indevida”.

Esse é o lado ficcional prevalecendo. Não temos certeza – e nunca saberemos – como era o relacionamento de Maria Madalena com os demais apóstolos. Se hoje ainda convivemos com uma insegurança nos relacionamentos em ambientes profissionais entre homens e mulheres e o incompreendido – dada a modernidade em que nos inserimos – desnível no reconhecimento da importância dos feitos da mulher em relação àqueles debitados aos homens, imagina naquela época, quando isso era muito mais explícito e fazia parte da cultura.

Maria Madalena é então, incensada pelo autor, como uma das primeiras feministas da História. Aquela em que num momento tão singular da humanidade teria, naturalmente, buscado ser um personagem relevante num meio totalmente dominado pelo ser masculino. O problema do livro, a meu ver, foi justamente essa escolha isolada. Isso acaba por cansar o leitor menos prevenido, que tinha curiosidade sobre a visão do autor a respeito de outras nuances da santa.

O título em si já remete para uma jornada de luta por mudança de conceitos. A utilização da #, fazendo vínculo com os meios digitais de divulgação de uma ideia utilizados amplamente nos diferentes caminhos da web, indica que o livro será uma declaração sem pudores de alguém que se sente injustiçado – como é típico daqueles que se utilizam desse meio. Verdades virão à tona, afinal a santa está “sem filtro”, ou sem papas na língua, e quer que sua versão da própria história alcance o mundo. Porém, volto a dizer, essa confissão de temores – ou luta, ou remorso contido, quer seja como leiam – peca por concentrar-se somente no libelo feminista. Melhor seria buscasse explorar outros aspectos.

Tal fator motivador somente fica claro para o leitor na seção Sobre Este Livro, presente no final da obra – págs. 131-132. Destacamos o seguinte trecho abaixo:

Nós, e também as editoras Leila Name e Martha Ribas, (...), compartilhávamos o grande desejo de criar um livro esclarecedor sobre Maria Madalena, que não fosse apenas mais uma coleção de pesquisas repletas de interrogações. Naquele dia, falamos sobre o surgimento do movimento #MeToo[1] e de suas ramificações pelo mundo, falamos sobre o grande momento vivido pelas mulheres, certamente por ver naquelas que se levantam contra os abusos uma identificação com Madalena (cuja causa mortis desconhecemos, mas que de diversas formas foi assassinada em sua dignidade feminina ao longo da história).

Bom, se o objetivo era que o livro fosse “esclarecedor” como aqui dito, de tudo que pode ser dito sobre ele a única coisa que ele não constitui é ser uma obra “esclarecedora” de algo – a não ser, talvez, pela introdução de nomes de autores que teriam tratado da trajetória da santa da em diferentes momentos alguns séculos atrás, com destaque para Rabanus Maurus (A Vida de Maria Madalena – século IX); a Homilia 33 do papa Gregório I; e Jacopo de Varazze, arcebispo de Gênova, com sua Lenda Áurea, publicado na Idade Média, com histórias de santos, mas amplamente criticado por ser demasiado ficcional e fantasioso (aqui temos a face do pesquisador e jornalista se fazendo presente). Rodrigo Alvarez, porém, se conformou em fazer um libelo a um movimento feminista, e tão somente. Pena. Acreditamos que perdeu uma ótima oportunidade em sua estreia como ficcionista. De todos os livros lidos, sem dúvida alguma, #MadalenaSemFiltro foi o mais fraco. Um desperdício. Esperemos uma melhor próxima jornada.