domingo, 23 de dezembro de 2012

Banalogias

O que é uma boa conversa de bar? Quem seria eu – um abstêmio – para dizer o que é uma boa conversa de bar? Ora, eu seria o chato, o sóbrio, o motorista da vez – se tivesse carteira, há muito engavetada (1) – aquele que presta atenção nos detalhes, que grava, de memória, as pequenas indiscrições, aquele candidato em potencial para ser objeto de uma “queima de arquivo” futura, ou seja, um perigo!

Da minha vasta experiência em acompanhar tais “debates” posso lhes dizer uma coisa: uma boa conversa de bar gira em torno de temas polêmicos. E se o tema não for polêmico, os debatedores tratarão de transformá-lo em foco de uma luta encarniçada por fazer valer suas opiniões. Nessa verdadeira batalha, o bom argumentador – os “machos-alfa” do grupo – normalmente prevalecem (ou rapidamente revertem a posição para apoiar o lado vencedor).

Mas a verdadeira vitória deve vir pela palavra, pois o bom argumentador somente se faz a partir de, adivinhem, da quantidade de argumentos que possui. Não adianta querer dar um soco na mesa, falar mais alto – em que pese serem cenas comuns numa mesa de bar – para dar a entender de que estão com a razão. Normalmente estes são subterfúgios daqueles que não possuem mais argumentos e querem se fazer valer de altercações físicas para demonstrarem seu poder. Pobres. Dito isto, qual seria o perfil do campeão?

Encontram-se bons argumentadores em qualquer lugar. Os intelectuais boêmios podem ser dos melhores, uma vez que abastecidos pela “coragem alcoólica”, se vêem sem freios para expor suas idéias e temas, suas abordagens e fraquezas, desde que estas últimas sirvam para quebrar as barreiras do interlocutor, que se abriria, assim, para receber, quando pensa que por dó, um “soco na boca do estômago”, tal qual um harakiri imposto, se vê enredado, quase que obrigado, a concordar com o “fraco” do outro lado da mesa. Ou seja, muito cuidado, mantenha os punhos em posição de defesa, pois quando menos se espera, a palavra atirada alcança seu intento.

Uma boa amostra deste universo pode ser encontrado no livro “Banalogias” – Francisco Bosco – Rio de Janeiro – Ed. Objetiva – 2007- 206 págs.. Bosco, como tal apresentado, trata-se de um intelectual com um vasto arsenal do qual se mune para dialogar com o leitor sobre os mais diversos temas. Pesquisador de Teoria Literária, ensaísta e letrista, editor da revista Cultura Brasileira Contemporânea e colunista da revista Cult, ou seja, tem o shape necessário para enfrentar as mais duras contendas que viessem a surgir pela frente. Em sua obra, abre um vasto leque de temas, típico das múltiplas “viagens” que podem ser feitas ao se sentar, com amigos, para divagar (2).


Das qualidades que identifiquei devo ressaltar uma: sabe dissimular como ninguém qual a conclusão final de seus ensaios, levando ao leitor conjecturar, construir seu próprio caminho e pensamento, porém sendo escoltado pelos argumentos do autor. Isso se inicia pelos títulos dos textos, que não dão nenhuma pista (com uma ou outra exceção) da linha central do raciocínio a vir. Vou ter a ousadia de descortinar isso um pouco na esperança de que vocês se sintam mais estimulados a lê-lo:

Dialética dos Playboys – tratado sobre a percepção futura daqueles monstros que nos assombravam em épocas escolares;
Tatto you – o verdadeiro objeto do desejo que faz um ser humano se tatuar;
O Comedor de Criancinhas – uma tentativa de definir “o que é” Michael Jackson, como se isso fosse possível, vis a vis a hipocrisia da sociedade norte-americana;
Psicologia da Acne – como lidar, somente com a mente, as espinhas;
O Indireto Afetivo na Linguagem do Carioca – uma análise da expressão “Te Ligo!”;
Os Nomes e a Bola: dos Apelidos no Futebol Brasileiro – os apelidos como reflexo do estilo brasileiro no famoso esporte bretão;
Os Chatos Trágicos – texto que deve ter sido escrito após uma desilusão amorosa;
Moralidade da Magreza – a urgência de “viver” impondo um estilo de vida que talvez não seja tão saudável assim;
Se Pudesses, Deverias Frequentar Outro Mundo – primo-irmão dos “Chatos (...)” acima, faz a distinção entre paixão e amor, quando chegam ao fim;
As Sinopses – resumos mal-escritos de uma obra maior;
Homoeterologia – qual a diferença entre homossexual, travesti e transexual? Engraçado que tal tema, a princípio, pareceu aquele em que teve maior dificuldade para lidar, pois teve que se apoiar em fontes externas para construir sua argumentação (3). Seria isso um traço de preconceito escondido?
A Ética da Gafieira em 15 Passos – o microcosmo da gafieira desvendado;
Semiologia dos Ritos Fúnebres – como lidar com a morte – sua e de outrem;
“Ou Não” – a construção de um argumentador, a partir da experiência Veloso;
As Piores Dedicatórias do Mundo – o desespero dos escritores nas noites de autógrafos;
Cartografia de um Corpo Reinventado – o “código de ética”, nem tão secreto assim, das prostitutas;
Sartori de Subúrbio – o título original deste texto é mais direto: “Psicologia da Porrinha”, como publicado na revista Argumento, em outubro de 2005;
Elogio da Tristeza – a tristeza como elemento alavancador de obras de arte (seu contraponto: Jorge Ben Jor);
O Sensacionalismo Intelectual – neste texto ele se propõe a criticar os “pseudo-críticos” presentes no jornalismo atual. E para manter o seu argumento, não dá nomes aos bois;
Arte e Cirurgia Estética – a cirurgia estética como uma fuga pela inserção social;
Ignorância² - leia-se “Ignorância ao quadrado”. Texto sobre a ascensão do Vale-Tudo, um tanto deslocado no tempo, pois ainda se remete à época em que os lutadores do UFC (4) eram conhecidos somente em outros países;
Historiosofia – como se constrói um conceito a partir da força das palavras;
Ontologia do Golaço – porque o gol de bola parada não é golaço;
“Letra de Música é Poesia?” – auto-explicativo;
Os Livros Renegados – a percepção negativa das obras escritas em começo de carreira.

Francisco Bosco, o desafiante

Pergunto-lhes: qual dos temas acima não poderia ser eleito para uma boa conversa de bar? O que posso lhes dizer é que, se os elegerem em algum momento, torçam para que o seu interlocutor não seja Francisco Bosco. Se o for, vocês estão perdidos.

(1)   Expirada em 1993 e nunca renovada;
(2)   Talvez um dos grandes méritos do autor seja que, a princípio, ele o fez isoladamente, diante do teclado, como que filosofando para as “multidões futuras” que o leriam.
(3)   Das 11 notas do livro, 5 se referem a pontos deste ensaio.
(4)   Ultimate Fighting Championship – uma das principais organizações de luta de Artes Marciais Mistas (MMA – do original em Inglês). Para mais detalhes sobre o UFC ver http://br.ufc.com/ .

2 comentários:

  1. Excelente crítico literário, texto sagaz e direto ao ponto. Parabéns.

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  2. Depois de ler o Léo, sempre bate a curiosidade de conferir os pontos tratados...adoro essas resenhas o Pinguim

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