quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

HANNIBAL

Toda vez que leio um livro que não seja em Português parece que uma névoa se sobrepõe à mensagem, ao que está tentando ser passado para o leitor (1). Tal não foi diferente com “Hannibal” – Thomas Harris – Ed. Dell Book – 2005 – 546 págs, edição em formato de bolso, típica para viagens.


Essa foi a minha primeira dificuldade com o livro. Sabia que era um thriller – havia visto todos os filmes da série Hannibal (2) – e tinha a expectativa de, por intermédio da leitura do original, perceber o toque do autor na construção de um personagem tão complexo. Outra expectativa gerada é sempre tão falada comparação entre o livro e o filme, que em geral redunda numa derrota acachapante para o formato em película.

Voltando ao primeiro ponto – “the fog”. Mais uma vez confirmei que a leitura de um texto no original me traz sérias dificuldades de concentração e percepção por completo do clima que o autor tenta transmitir para o leitor. Certamente de posse de uma boa tradução para o Português eu me sentiria muito mais tentado a não me desgrudar do livro do que lendo-o em Inglês. Isso não é uma regra geral, mas para mim não funciona.

Thomas Harris

Poderíamos nos perguntar se a própria estória não seria responsável pelo meu desapego para com o livro. Acredito que não. E aí tenho que me remeter à segunda questão apresentada – o vínculo com a obra cinematográfica. Obviamente para tentar me ajudar no andamento da leitura tentava trazer em mente a evolução do filme. Não acredito que seja uma boa fórmula, pois com certeza não a utilizaria se o livro fosse em Português. Mas, pelo menos, eu tentei. O que pude depreender disso:

·         O livro contém, via de regra, muito mais detalhes enriquecedores da cena do que o filme que pretende retratá-lo na telona. Com Hannibal não foi diferente. Podia-se sentir o cheiro da pólvora no ar nas cenas de tiroteio, a tensão nos diálogos entre os oficiais do Federal Bureau of Investigation (FBI), a perspectiva do próximo assassinato do personagem principal, o ódio de Mason Verger por ele, entre muitas outras coisas. Pelo que me lembrava do filme, isto estava diluído. A cena inicial descrita no livro, então, é tão marcante para o leitor que seria impossível eu ter me esquecido completamente dela se a mesma não tivesse sido sub-utilizada no filme (senão tiver sido subtraída, crime capital para um bom roteiro adaptado);
·         O final me surpreendeu. Se foi usado o mesmo final no filme, acredito que tenha sido igualmente sub-aproveitado;
·         Com certeza existem personagens que não devem ter alcançado o nível de importância que têm no livro quando a estória foi levada para o cinema. Diria mesmo que é uma estória em que os personagens coadjuvantes são primordiais fios condutores da mesma, sendo essenciais para o seu sucesso. Seria um prato cheio para um Oscar nessa categoria – não me recordo disso ter acontecido de fato (3).

Cartaz do filme, com o brilhante Anthony Hopkins - como será o Dr. Lecter eternizado

Em termos gerais, portanto, o que posso dizer: o livro tem um “cheiro” de ser muito bom, mas não posso afirmar isso peremptoriamente por causa da “névoa”, pelo “embaçar” do idioma Inglês. Sei que é, no mínimo, tosco fazer tal afirmativa, mas prefiro ser sincero. Minha sugestão: vejam os filmes – ótima série de suspense – mas se forem ler o livro, o comprem em Português. Agora, para fechar, uma pequena dose do multimilionário Dr. Lecter – aliás, a riqueza dele é pouca enfatizada na série cinematográfica – em sua força original, em Inglês:

Dr. Lecter tilted Pazzi [policial italiano] forward against the balcony railing. The railing came to his thighs. Pazzi could look down at the piazza and make out through the floodlights the spot where Savonarola was burned, where he had sworn to sell Dr. Lecter to Mason Verger. He looked up at the clouds scudding low, colored by the floodlights, and hoped, so much, that God could see. Down is the awful direction and he could not help staring there, toward death, hoping against reason that the beams of the floodlights gave some substance to the air, that they would somehow press on him, that he might snag on the light beams. The orange rubber cover of the wire noose cold around his neck, Dr. Lecter standing so close to him. Arrivederci, Commendatore”. (págs. 230-231)

(1)   Engraçado notar que tenho total preferência por filmes legendados, justamente porque posso ouvir, no original, a entonação que os atores estrangeiros colocam em seus personagens. É a arte se manifestando em diferentes níveis, nos tocando de distintas formas, dependendo do meio utilizado.
(2)   O Silêncio dos Inocentes (1991), Hannibal (2001), Dragão Vermelho (2002), Hannibal Rising (A Origem do Mal - 2007).
(3)     Em 2002 os ganhadores do Oscar de Ator e Atriz Coadjuvante foram, respectivamente, Jim Broadbant (Iris)[!?] e Jennifer Connelly (Uma Mente Brilhante) – Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2002/oscar/vencedores.shtml. Enquanto em 2001 foram Benicio Del Toro (Traffic) e Marcia Gay Harden (Pollock) – Fonte: http://www.cineplayers.com/premiacao.php?id=5&tp=1

2 comentários:

  1. Leo, você descreveu perfeitamente a sensação de se ler em oura língua que não o vernáculo! Em contrapartida, nenhuma tradução/versão substitui a total compreensão de certas expressões idiomáticas no idioma de origem. Dilema... [ ]s, Th

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  2. Oi Leopoldo, tenho esta mesma sensação de "névoa" que você, talvez com exceção do espanhol, com o qual fui acostumado desde pequeno, por laços familiares. Quando um filme é adaptado de um romance que ainda não li (e tenho vontade de ler), geralmente resisto a ver o filme, por mais curiosidade que tenha. Tento ler o livro antes para ver o filme depois. Fico sem ver o filme até conseguir ler o livro. O problema é que, na maioria das vezes, fico sem ler o livro e acabo sem nem ler, nem ver o filme..rs. Mas é que sensação de ler antes sempre me pareceu mais interessante que a contrária. Seu texto me fez ficar tentado a experimentar o caminho inverso.
    Gosto muito dos filmes sobre o "Hannibal Lecter". O que mais gostei foi "Dragão Vermelho", seguido de "O Silêncio dos Inocentes". Não gostei muito de "Hannibal: a origem do mal" (para mim, o mais fraco).
    P.s: Há casos, mais raros, em que a adaptação para o cinema parece superar o romance original. É o que se diz de "O Poderoso Chefão", adaptado do livro de Mário Puzo. Só vi o filme e, portanto, não posso dar minha opinião pessoal.

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