domingo, 9 de dezembro de 2012

Rápido e Devagar - duas formas de pensar

Tomar decisões. Um ato tão trivial no nosso dia a dia. Tomamos decisões inúmeras vezes desde que acordamos até a hora em adormecemos, ao final de mais uma jornada. Será que em algum momento vocês já se questionaram se toda uma vida poderia ter tido seu rumo alterado se tivesse escolhido A ou invés de B? Acredito que sim. Olhar para trás e reavaliar situações sempre foi algo extremamente atrativo para o ser humano. Mas devo dizer que em relação especificamente a esta atitude, um passo para o arrependimento, eu criei uma máxima que entendo seja extremamente válida: tomamos a decisão de acordo com as variáveis que temos à mão naquele momento. Assim, de maneira consciente, seguimos determinada estrada porque num átimo de segundo, levando-se em conta todos os dados que estão disponíveis, aquela nos pareceu a melhor opção.

Ora, ora. E não é que muitos anos depois vem a surgir um livro que põe, de certa maneira, esta visão em xeque. Este livro se chama “Rápido e Devagar – duas formas de pensar” – Daniel Kahneman – Rio de Janeiro, Ed. Objetiva – 2012- 610 págs.. Não por acaso o Sr. Kahneman ganhou um prêmio Nobel de Economia pelo artigo que deu origem a esta obra, sendo ele um psicólogo (!?) estudioso da chamada Economia Comportamental. Se os meus nobres colegas e amigos economistas ainda não tinham atinado para este veio inexplorado, lhes apresento então.


Agora, porque este livro coloca em xeque a minha máxima acima apresentada? Simples: ela, a máxima, foi construída sobre a base recebida durante a faculdade – e sobre o que acreditamos ser o chamado “bom senso” – da qual aprendemos que o ser humano é um tomador de decisões racional, pois “(...) a confiança que temos em nossas crenças e preferências intuitivas em geral é justificada. Mas nem sempre. Muitas vezes estamos confiantes mesmo quando estamos errados, e um observador objetivo tem maior probabilidade de detectar nossos erros do que nós mesmos” (pág. 11). Ou seja, nunca nos enganamos tanto!

A teoria defendida por Kahneman (e por seu amigo Amos Tversky – devo dizer, aliás, que é tocante a amizade expressa por Kahneman. Ele sempre cita o seu amigo durante o livro, e a defesa de seus argumentos sempre se inicia com “Amos e eu”) se baseia no que ele chama de Sistemas 1 e 2. Estes remeteriam ao “Rápido e Devagar” presentes no título do livro. Seriam, assim, dizendo grosseiramente, os dois modos com que tomamos decisão rotineiramente. O Sistema 1 seria aquela decisão automática, tomada no ímpeto, a qual fazemos a partir de preconceitos já estabelecidos e para os quais não precisamos pensar muito. Já o Sistema 2 é acionado quando temos que analisar uma situação com calma, antes de seguir adiante por um caminho escolhido. São os ‘”rápido e devagar” do título. E percebam que a diferença de tempo entre um tipo de tomada de decisão e o outro, não necessariamente é longa. Por exemplo: se você é obrigado a fazer uma conta mentalmente, você está tendo que acionar o Sistema 2, pois não pode dar a resposta de pronto.

Daniel Kanehman

Em alguns outros momentos da obra, Kahneman chega à beira da auto-ajuda, muito em função dos resultados alcançados durante os experimentos que validaram suas teorias. “Se você gosta da política do presidente, provavelmente gosta da voz dele e também da sua aparência” (pág. 107). Esse é o chamado “efeito halo”. Numa descrição mais pormenorizada:

Você conhece uma mulher chamada Joan numa festa e a acha agradável e boa de papo. Então ela lhe parece alguém que concordaria em contribuir para caridade. O que você sabe sobre a generosidade de Joan? A resposta correta é que você não sabe praticamente nada, pois há poucos motivos para acreditar que pessoas que são encantadoras em ocasiões sociais também contribuem generosamente com a caridade. Mas você gosta de Joan e vai recuperar a sensação de gostar dela quando pensar a seu respeito. Você também gosta da generosidade e de pessoas generosas. Por associação, você agora está predisposto a acreditar que Joan é generosa. E agora que acredita que ela é generosa, provavelmente gosta ainda mais de Joan que anteriormente, porque adicionou generosidade a suas demais qualidades aprazíveis. (pág. 101)

Enquanto esse fato se circunscrever apenas à possibilidade real ou não de fazer novas amizades, ou seja, se atendo apenas um espaço limitado de influência – a vida privada – tudo bem. O problema é que as mesmas causas e efeitos poderão afetar decisões de grande relevo – uma entrevista para emprego ou até mesmo a adoção ou não de um determinado plano para uma política pública.

Como método durante a escrita, Kahneman, enquanto acadêmico, respeita as boas normas de sempre citar as fontes. Por exemplo, em relação à questão acima – influência sobre as políticas públicas em função dos preceitos individuais dos tomadores de decisão – preocupante é a citação que ele faz de uma teoria exposta pelo psicólogo Paul Slovic – a heurística do afeto. Esta prega que “as pessoas deixam que suas simpatias e antipatias determinem suas crenças acerca do mundo”:

Sua preferência política determina os argumentos que você julga convincentes. Se você apresenta a atual política pública de saúde, acredita que seus benefícios são substanciais e seus custos mais administráveis que os custos das alternativas. Se você é militarista em sua atitude em relação às outras nações, provavelmente acha que elas são relativamente fracas e provavelmente vão se submeter à vontade de seu país. Se você é um pacifista, provavelmente pensa que elas são fortes e não irão se deixar coagir facilmente. Sua atitude emocional em relação a coisas como irradiação de alimentos, carne vermelha, energia nuclear, tatuagens ou motocicletas governa suas crenças sobre seus benefícios e seus riscos. Se você antipatiza com todas essas coisas, provavelmente acredita que seus riscos são elevados, e seus benefícios desprezíveis. (pág. 133)

Mas aí vem uma das muitas perguntas cruciais nesse processo de se analisar os fatores que influenciam a tomada de decisão: o que, ou quais variáveis, vem a moldar os preceitos que construímos em nossa mente? É sabido que no mundo da internet somos bombardeados por todos os lados com informações, algumas válidas, outras nem tanto, mas esse é um fato que nos leva a um desafio – separar o joio do trigo para que os fatores (ou notícias) aos quais somos submetidos tenham um mínimo de fidedignidade para que, com os princípios particulares de cada um, possamos digeri-los de maneira adequada. Por exemplo, Kahneman cita novamente um trabalho de Slovic quando passa a avaliar a ação da mídia sobre nós:

A própria cobertura em si tende para a novidade e a comoção. A mídia não só molda o interesse do público, mas também é por ele moldada. Os editores não podem ignorar as exigências do público de que determinados temas e pontos de vista recebam cobertura extensa. Eventos incomuns (como botulismo) atraem atenção desproporcional e são consequentemente percebidos como menos incomuns do que realmente são. O mundo em nossas cabeças não é uma réplica precisa da realidade; nossas expectativas sobre a freqüência dos eventos são distorcidas pela preponderância e intensidade emocional das mensagens às quais somos expostos. (págs. 176-177)

·         Derrames causam quase o dobro de mortes de todos os acidentes combinados, mas 80% dos participantes [de uma pesquisa] avaliaram a morte acidental como mais provável.
·         Tornados foram vistos como assassinos mais freqüentes do que asma, embora esta última provoque vinte vezes mais mortes.
·         Morte por raios foi julgada menos provável do que morte por botulismo, ainda que seja 52 vezes mais freqüente.
·         Morte por doença é 18 vezes mais provável que morte acidental, mas as duas foram julgadas igualmente prováveis.
·         Morte por acidentes foi avaliada como mais de trezentas vezes mais provável do que morte por diabetes, mas a proporção verdadeira é 1:4. (pág. 176)

Observando tais aspectos fica fácil de entender como Kahneman, na sua preocupação com a rapidez com que determinadas decisões são tomadas (precipitação), alavancou um debate que poderia servir apenas como um pretexto para uma boa conversa na hora do cafezinho com a preocupação em como as políticas públicas são definidas:

(...) as políticas públicas são em última instância sobre pessoas, o que elas querem e o que é melhor para elas. Toda questão envolvendo políticas públicas implica pressuposições acerca da natureza humana, em particular sobre as escolhas que as pessoas podem fazer e as conseqüências de suas escolhas para si mesmas e para a sociedade. (pág 180)

Considero esta reflexão a parte mais rica da obra – o que não deixa de ser uma pena, levando-se em conta a extensão da mesma, mais de 600 páginas. Porém o autor aborda outras questões que têm impacto direto sobre o dia a dia, digamos, do cidadão comum, e não apenas dos “grandes homens e suas grandes decisões”. O risco, nesse caso, é ficar muito próximo do que já citamos anteriormente, de ser classificado como um mero fornecedor de lições de “auto-ajuda”- mesmo em sendo! E esta colocação nos leva a questão dos rótulos (1).

O ser humano é muito dado a rótulos. Em parte isto foi dito acima, quando indicamos como nossas crenças – rótulos – influenciam nossa tomada de decisão. E se nos surpreendêssemos percebendo que os rótulos que nos colocamos a nós mesmos são completamente equivocados? Por exemplo, como vocês acham que reagiriam se soubessem que tem uma pessoa tendo um ataque epilético? A maioria das pessoas têm uma ótima imagem de si mesmo. Um experimento realizado pela Universidade de Michigan, tentou responder a pergunta anterior. Para isso fez uma encenação com 15 participantes. Um deles era um ator, que fingiu estar tendo um ataque. Apenas 4 pessoas atenderam ao pedido de socorro. “Até mesmo pessoas normais, decentes, deixam de acorrer quando esperam que outros assumam o trabalho desagradável de lidar com uma pessoa sofrendo um ataque. E isso inclui você”. (pág. 218) Este fato nos fará crer que todos aqueles que não atenderam são pessoas vis, quando não o são. Mas como é duro enfrentar a realidade nua e crua. Mas mais duro ainda é percebê-la.

Outro fator interessante e motivador da “rotulagem” automática do Sistema 1 – o da resposta rápida na hora da tomada de decisão – é a negligência para com o papel que a sorte tem em determinados resultados alcançados.

Líderes que tiveram sorte nunca são punidos por terem assumido risco demasiado. Pelo contrário, passam a ser vistos como alguém com talento e visão para prever o sucesso, e gente sensata que duvidou deles é vista retrospectivamente como medíocre, tímida e fraca. Alguns golpes de sorte podem coroar um líder inconseqüente com um halo de presciência e coragem. (pág. 256)

É claro, também, que a supervalorização da sorte poderá nos levar a uma visão tacanha, conservadora, dos atos de um bom administrador. Dizer que todos eles o foram devido a um golpe de sorte seria leviano, mas um método para se evitar isto é perceber a coerência e o planejamento como uma característica de suas atividades – a regularidade das ações é um elemento essencial para validá-las. Mas para isso temos que ativar o Sistema 2, o qual temos uma extrema preguiça para fazê-lo. “Por outro lado, consultores de investimento e cientistas políticos que fazem prognósticos de longo prazo operam em um ambiente de validade zero. Seus fracassos refletem a imprevisibilidade básica dos eventos que eles tentam prognosticar” (pág. 299).

Um dado relevante da chamada Economia Comportamental, campo pelo qual Kahneman vem militando a partir do momento que ele tenta inserir as variáveis impostas pela realidade às tomadas de decisão, é que o fator “humano”, muitas vezes deixado de lado pelos economistas da escola racional, traz à tona o verdadeiro papel que a sorte joga em áreas cruciais. Por exemplo, no setor financeiro. Não existe ninguém que possa, de antemão, prever como uma determinada ação de uma determinada empresa irá variar em valor. Perplexos com essa afirmação? Não deviam, pois o óbvio está aqui presente – ninguém pode predizer o futuro. Inúmeros são os fatores que podem influenciar e alterar o rumo das coisas. O próprio Kahneman teve que afetar olhares atravessados, mesmo após ter pesquisado resultados de uma determinada firma, numa série de 08 anos seguidos, e ter identificado que não existia correlação estatística nenhuma entre seus prognósticos e os fatos realmente ocorridos. Na expressão do autor, era o mesmo que “jogar dados”.

“A ilusão de habilidade é mais do que uma mera aberração individual; ela está profundamente arraigada na cultura do mundo financeiro. Fatos que desafiam tais pressupostos básicos – e desse modo ameaçam o meio de vida e a autoestima das pessoas – simplesmente não são absorvidos. A mente não os digere” (pág.270). Existirá sempre a busca por uma relação causal, mesmo quando ela inexiste. Alguns bônus pagos seriam certamente poupados dos bolsos dos acionistas se esta percepção prevalecesse. Porém, é pouco provável que o mercado deixe esta idéia proliferar. E mesmo os usuários, já que todos têm uma atração pela futurologia, desde as mulheres com os cartomantes até os executivos com os consultores.

Conclusão

Todas as vezes em pensei em escrever sobre esse livro uma expressão me vinha a mente – ele era o Tratado sobre o Óbvio. Porém, ele não é exatamente isso. Ele é uma análise de como nos iludimos e não percebemos o óbvio à nossa frente. Me surpreendo que a palavra “óbvio” tenha sido por mim citada somente agora ao final – grifei acima, inclusive, quando ela aparece pela primeira vez. A correlação entre psicologia e economia gerou algo que sempre me inquietou nos tempos de faculdade – a distância das teorias econômicas da realidade. O surgimento da economia comportamental cumpre o papel de cobrir esta lacuna – dizendo o óbvio como, por exemplo, que o fato de que alguns países têm um menor índice de doação se deve simplesmente à exigência de que o doador se identifique, enquanto outros não, você é considerado doador a menos que afirme que não o é; ou então por perceber que uma “adaptação a uma nova situação, tanto boa como má, consiste em grande parte em pensar cada vez menos a respeito. Nesse sentido, a maioria das circunstâncias de vida a longo prazo, incluindo paraplegia e casamento, são estados que a pessoa habita em período parcial, apenas quando pensa neles” (pág. 506). O bem-estar, as emoções, todas elas influenciam nossas tomadas de decisão – casar ou não casar é uma delas. Sorte, competência, são leituras que fazemos a partir de dados que observamos, algumas vezes de maneira errônea. Mas o principal é que a lenda do “homem racional” se desvanece. Somos todos complexos demais, e temos que seguir em frente tendo essa consciência, sem medo de errar. A busca constante pela limpidez e tranqüilidade no agir de nossa vida, evitando a ansiedade – que nos leva a querer prever o futuro a todo momento - é a principal mensagem subliminar que fica desta leitura.

(1)   Na minha modesta opinião um escritor não deve se preocupar com rótulos, e sim com a proteção das suas idéias originais. Como elas serão classificadas perante o público é um dilema “menor”.

4 comentários:

  1. Vou ser franca: eu ando preguiçosa... Houve tempo em que eu leria, comentaria, fatalmente discordaria rsrsrsrs Hoje em dia tenho dificuldade para absorver assuntos mais complexos... Estou até me achando pouco interessante :-( Basta dizer q minha leitura mais recente foi 50 tons de cinza. kkkkk De qq forma, eu uma vez escrevi algo "próximo" do assunto, qdo critiquei aqueles q dizem não se arrepender de nada que fizeram na vida... O que escrevi já foi preguiçoso, eu na época já me atrapalhava com meus próprios pensamentos. Mas do que me esforcei para captar aqui, eu concordei!

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  2. O que decide tem o direito de errar. Já o que não decide já errou! ;-)

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  3. Leopoldo, algumas palavras saltam na resenha e as sublinho para poupar tempo: Comportamental, auto-ajuda, óbvio. Ao bom entendedor... De qualquer forma, acho que vale esclarecer minha opinão: sim, nossas decisões tem por trás toda uma gama de informações ( ou a falta delas) assim como de nossas próprias experiências, background, situação socio-economica, estado emocional etc...Assim, muitas vezes, o pensar rápido pode ser arriscado e a consideração criteriosa pode levar a resultados positivos. Contudo, há momentos em que a intuição não deve ser descartada e hoje acredito muito nisso. Até por que, o resultado positivo também deve ser relativizado. Afinal, o que é uma boa decisão??? O que é uma boa escolha? Para quem essa escolha é boa? Para que padrão social e comportamental? Por isso sublinhei essas palavras. Nesse ponto assumo meu preconceito com leituras que tentam, a meu ver sem sucesso, teorizar comportamentos. As vezes esquecemos como somos complexos, únicos e surpreendentes. Talvez aí esteja a beleza da vida...sua imprevisibilidade...

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  4. Acredito que o grande valor dessa leitura é de que todo planejamento (privado ou público) deve ter em consideração essa tendência "preguiçosa" do cérebro humano para não acabarem tornando-se utópicos. Não esperar 100% de racionalidade das pessoas é algo que falta à economia e a muitas outras matérias...

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