O
termo “sétima arte” serviu para cunhar em que universo se enquadraria a
produção cinematográfica em relação às demais áreas ditas “artísticas”: arquitetura, pintura, escultura, música,
literatura e teatro (incluindo a dança). São as chamadas Belas Artes, conceito
que surgiu na Europa no final do século XVIII, junto com a proliferação das
Academias de Arte, e que designa atividades preocupadas com a criação do belo,
independente da sua utilidade prática (1). Nesse sentido venho a tratar aqui
daquela que está na lista das novas “artes”, além das 7 mais conhecidas: o mundo dos quadrinhos.
As histórias em quadrinhos (HQ’s) há muito vem
conquistando espaço, não apenas entre o público infanto-juvenil, como também
entre a parcela adulta de consumidores. A primeira história em quadrinhos moderna
foi criada pelo artista americano Richard Outcault em 1895. "A linguagem
das HQs, com a adoção de um personagem fixo, ação fragmentada em quadros e
balõezinhos de texto, surgiu nos jornais sensacionalistas de Nova York com o
Yellow Kid (Menino Amarelo)", diz o historiador e jornalista Álvaro de
Moya, autor do livro História da História em Quadrinhos (2).
Nesse mundo peculiar as multinacionais mais conhecidas são
Marvel e DC Comics. A Marvel foi Fundada no
começo da década de 1930 por Martin Goodman, a Marvel Comics foi originalmente chamada de Timely Comics. Seu fundador era editor de revistas que faziam sucesso com
histórias de faroeste. Visionário, Martin Goodman expandiu seu trabalho no
sentido de um mercado muito promissor. Com a sede estabelecida em Nova York,
Goodman detinha o poder na editora, acumulando diversos cargos. A primeira
publicação só aconteceria em 1939 através de uma revista chamada Marvel Comics
que mostrou pela primeira vez ao público os personagens Tocha Humana e Namor. A publicação foi um sucesso de vendas e estimulou a equipe
responsável a lançar a segunda edição no ano seguinte, mas com o nome de Marvel Mystery Comics (3).
Já a DC Comics Inicialmente ela era chamada de
National Comics, mas posteriormente assumiu a sigla que se referia a uma de
suas mais famosas publicações, a Detective Comics, que entre outras criações trazia em suas páginas as
aventuras do Batman. Em 1937 a empresa adotou o nome desta revista,
batizando-se assim como Detective Comics, Inc. Em 1944 ela se uniu à National
Allied Publications, responsável pela edição da Action Comics, na qual o
Superman apareceu pela primeira vez. Com esta fusão o conglomerado empresarial
passou a ser conhecido como National Comics, embora fosse informalmente
denominado DC Comics, até este título ser oficialmente assumido (4).
As HQ's assim se consolidam mundialmente alicerçadas nestas duas empresas como expoentes, à parte as chamadas “independentes”,
que muitas vezes possuem uma temática mais dramática, ou poética. Existem
muitos outros personagens conhecidos mundo afora – Tintim, Asterix, Turma da
Mônica, sem falar nos mangás japoneses, etc – que não estão neste contexto de
geração de super-heróis majoritariamente ambientados nos Estados Unidos. Mas é
inegável a influência que estas duas empresas tiveram e têm na popularização no
imaginário de gerações de consumidores voltados para a exposição em pequenos
quadros ilustrados dos grandes dramas humanos – ou mutantes, ou inumanos, ou
alienígenas, whatever...
Mas restava uma lacuna a ser suprida. E essa lacuna veio a
ser preenchida com a série denominada Marvels, com roteiro de Kurt Busiek e
desenhos de Alex Ross.
Publicada originalmente em 1994, a minissérie em quatro
edições conquistou público e crítica ao retratar os grandes eventos da
trajetória do Universo Marvel do ponto de vista de um simples
mortal, o fotógrafo Phil Sheldon, com texto impactante e pinturas
hiper-realistas (5). A edição a qual tive acesso foi a comemorativa,
lançada em 2010. Num olhar rápido, a obra pode ser melhor aproveitada por
aqueles que acompanham a trajetória das “maravilhas” – como o personagem
Sheldon chama os super-heróis e que dá origem ao termo “Marvels” – já há algum
tempo, pois existe uma costura entre os momentos emblemáticos do universo
Marvel – iniciando-se com o surgimento do Namor e do Tocha Humana, acima já
citados; passando pelo explosão do Capitão América durante a Segunda Guerra
Mundial; alcançado a emergência dos mutantes do X-men, não sem antes a
ambientação com o Quarteto Fantástico em meio aos humanos, enfrentando
Galactus. Finaliza, então, com o desencantamento – ou humanização – dos
super-heróis via Homem-Aranha, a partir do episódio do fracasso em salvar Gwen
Stacy, trazendo à baila que até mesmo eles falham.
Edição comemorativa |
Os quatro livros que compõem a série original e que foram vendidos separadamente |
A visão romantizada de que todos iriam reagir com
benevolência e gratidão pelos super-heróis, por estes serem pessoas ou seres
que vieram nos salvar dos perigos que nos rondam, desde a criminalidade mais
pueril até os grandes vilões que desejam destruir o planeta Terra, é colocada
em cheque por Busiek. Como em A Onda,
aqueles que não acreditavam que pudesse haver um sentimento de reatividade ao
desconhecido, mesmo que este fosse benéfico à própria humanidade, ou indo mais
fundo, uma espécie de inveja ou temor de sermos dominados, escravizados, por
aqueles que não poderíamos compreender, remete à tendência da humanidade na
busca do controle absoluto, da mitigação das incertezas. O outro deve ser
estigmatizado e colocado à margem da sociedade.
Esta mesma dinâmica talvez seja
a causa maior do alastramento do sentimento depressivo dos dias atuais, afinal
de contas, ninguém pode ter o controle sobre tudo o tempo inteiro. Há que se
preservar o espaço ao acaso, ao diferente, que dá colorido à vida. Inclusive
este é o gancho para as duas obras cinematográficas da DC e da Marvel que
dentro em breve estarão nas telonas concomitantemente – Batman vs Superman
& Capitão América: Guerra Civil. Nestes são colocados em lados opostos
super-heróis que defendem maior controle sobre a ação de seus pares, para que
estes não venham a prejudicar demasiadamente os seres humanos “comuns”,
daqueles que defendem que toda a prática de controle acaba por acarretar numa
espécie de fascismo velado.
O personagem Phil Sheldon em meio ao seu drama pessoal por compreender esse novo mundo com seres inusitados e os impactos sobre o dia a dia. |
Os Vingadores, da Marvel, por Alex Ross |
Em resumo, a obra vale a pena ser vista e lida por dois
motivos básicos. O primeiro é o traço realístico de Alex Ross, verdadeiras pinturas
se comparados com os quadrinhos “de produção”. Inclusive na edição comemorativa
somos brindados com desenhos de página inteira ao final com personagens “B” que
poderiam ser emoldurados e gerar quadros para serem pendurados nas paredes de
galerias.
E o segundo, tendo a mente aberta para este outro olhar construído
por Busiek, de maneira a que observemos que somos iguais na exata medida daquilo
em que somos diferentes.
Os deuses também falham, assim como os seres humanos.
Talvez, apenas, os erros sejam superdimensionados, afinal, como diz o Homem-Aranha,
grandes poderes, grandes responsabilidades.
A Liga da Justiça, da DC, por Alex Ross |
Kurt Busiek (à esquerda) e Alex Ross |
(5)
http://www.universohq.com/reviews/marvels/
- inclusive neste artigo as HQs são denominadas de “nona arte”. A este respeito
interessante ver http://quadro-a-quadro.blog.br/por-que-quadrinho-e-a-nona-arte/.
Neste existe a seguinte descrição:
Mas o homem, em sua infinita insatisfação e
busca por expressão, inventou o cinema. E o cinema maravilhou apreciadores e
encantou criadores. E Ricciotto Canudo o considerou a mais completa das
artes, pois englobava todas as outras artes. E em 1923 publicou o "Manifesto das Sete artes" organizando-as da
seguinte forma:
1ª Arte – Música (som);
2ª Arte – Dança/Coreografia (movimento);
3ª Arte – Pintura (cor);
4ª Arte – Escultura (volume);
5ª Arte – Teatro (representação);
6ª Arte – Literatura (palavra);
7ª Arte – Cinema (integra os elementos das
artes anteriores).
A partir daí as artes passaram a ter
classificação e a serem vistas tanto por apreciadores quanto por
criadores com olhos cartesianos. E quando Canudo chegou à clareira no final da
estrada, outros homens continuaram seu trabalho de sistematização das artes:
8ª Arte – Fotografia (imagem);
9ª Arte – Quadrinhos (cor, palavra, imagem);
10ª Arte – Jogos de Computador e de Vídeo (no
mínimo integra as 1ª, 3ª, 4ª, 6ª, 9ª arte);
11ª Arte – Arte digital (integra artes
gráficas computorizadas 2D, 3D e programação).
Eu gostava e hoje adoro o mundo da Marvel porque ele me aproxima mais do meu filho. Ele me tira dúvidas a respeito dos poderes de cada um. E reconhece , antes de mim, Stan Lee em suas aparições. Adoro quando isto acontece.
ResponderExcluirExcelente resenha Leopoldo. O que mais me cativou foi realmente a proposta inovadora de 'Marvels" de conferir protagonismo a um personagem comum e os seus dilemas para desenvolver um olhar capaz de apreender e compreender o fascínio e o impacto que o advento das "maravilhas" lançaria na vida de qualquer um de nós. Esta HQ apresenta uma série de camadas subjacentes sobre tolerância, preconceito, receio do desconhecido e (um que me chamou muita atenção) ingratidão. Como se comover pelo sacrifício de personagens que nos fazem mergulhar em um estado de insignificância e desimportância? Como alcançar algum sentido de grandeza em fatos e atos que ameaçam nossa própria existência? Seria possível sermos empáticos aos super-heróis se eles realmente existissem? Somos todos potencialmente inclinados à intolerância quando nos sentimos ameaçados pelos que são diferentes e tidos como potencialmente danosos? Discussão bem atual, não? Gostei da analogia que fez com o filme "A Onda". Em tempo: tenho, além desta versão alemã, uma versão mais antiga, feita para a TV nos EUA, nos anos 80. O final é mais otimista que a versão recente. Não sei se sabe mas, de fato, essa experiência foi realizada por um professor em uma escola de Palo Alto (EUA), nos anos 60.
ResponderExcluirSim, Carlos Maurício. Conheço ambas as versões de A Onda. Sou velho o suficiente para ter visto a norte-americana na tv, a trocentos anos atrás. E sim, sabia q tinha verdadeiramente ocorrido.
ExcluirMeu amigo o que posso dizer? Você sabe o quanto sempre fui entusiasta dos "quadrinhos"!!! Aprendi, aprendo e continuarei aprendendo muito. E me divertindo "de montão"!!! Logo, vida longa para as HQs e que continuemos tendo sagas maravilhosas como MARVELS, Cavaleira das Trevas, 300, etc. Como diria o "CARA": Excelsior!!
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